quinta-feira, dezembro 27, 2012

UM FILME PARA NICK (Lightning over Water / Nick's Film)























E o último filme de Nicholas Ray, em parceria com Wim Wenders, foi um filme sobre a sua própria morte. Ou sobre os seus últimos dias de vida. Não deixa de ser uma obra um tanto quanto mórbida e Wim Wenders, pelo menos dentro do que ele procura mostrar, também sofre em pensar que pode estar lucrando com a morte do amigo e mentor Nick Ray, em fase terminal de câncer e já tendo passado pro três cirurgias. No fim das contas, UM FILME PARA NICK (1981) é uma obra que leva a muitas reflexões.

E tudo no filme nos leva a pensar quais os limites do documentário e da ficção. Um dos momentos mais interessantes de UM FILME PARA NICK é quando vemos, depois de já passados vários minutos, toda a equipe técnica por trás do filme realizado em 35 mm, com uma bela paleta de cores. Há também uma filmagem caseira, em imagem ruim, filmada pelo amigo de Nick, Tom Farrell. A contraposição entre essas duas imagens ajuda o espectador a entender o que é encenado e o que é documentado. Mas apenas ajuda, não esclarece. E é melhor assim. O filme ganha com isso.

Na época, Nicholas Ray ainda estava montando o seu mais recente filme, feito à moda vanguardista, WE CAN’T GO HOME AGAIN (1976). Por isso a sua admiração pelos cineastas europeus e sua recusa a voltar ao sistema hollywoodiano. Por outro lado, Wim Wenders era um admirador do cinema americano e o de Ray em particular. Assim, nota-se na tela uma impressão de amizade e respeito mútuos.

Um dos momentos mais bonitos acontece quando Ray, assistindo um amigo encenar para o teatro uma obra de Kafka, percebe que Wim Wenders havia chegado de viagem e estava sentado nas últimas cadeiras. Ao perceber a presença do amigo alemão e de sua esposa, Ray interrompe o ensaio com um amável "Hello, Wim!". A esposa de Wim pergunta como ele está e ele diz que vai bem, com um sorriso no rosto. Embora notemos a decadência física do cineasta, sua vontade de viver, mesmo com as dores, os vômitos e a dificuldade de respirar, é maior. Pelo menos até certo ponto.

Por mais que se atribua a direção também a Ray, ele estava muito doente para dirigir. Assim, seria mais um filme de Wenders, mesmo. Porém, dada a semelhança com WE CAN’T GO HOME AGAIN, que também trafega entre a realidade e o documental, pode-se dizer que é um filme de Ray também. Um filme de despedida do "poeta da noite", como assim o chamou François Truffaut. E por mais que seja bem estranha a sua última aparição em UM FILME PARA NICK, é uma sequência bem significativa, tanto da vontade do cineasta americano de encerrar o seu filme (e sua vida) e a não-vontade de Wenders de se despedir.

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