domingo, maio 01, 2011

MISTÉRIOS E PAIXÕES (Naked Lunch)



A ideia de fazer uma peregrinação pela obra de David Cronenberg foi ótima. Assim pude atestar o quanto gosto de seus filmes, o quanto eles crescem na revisão, o quanto ele pode ser considerado, já desde o início da carreira, um cineasta genial. Mas MISTÉRIOS E PAIXÕES (1991) sempre foi uma pedra no meu sapato. A minha lembrança da primeira vez que vi o filme não era nada agradável. De alguma maneira, ele tinha causado em mim um sentimento de aflição bastante incômodo. E eu suspeito que isso se deva ao aspecto kafkiano do filme, pois filmes baseados em Kafka, como O PROCESSO, de Orson Welles, e o próprio KAFKA, de Steven Soderbergh, despertaram em mim algo semelhante.

Mas os tempos mudaram e a nossa recepção perante os filmes vai mudando também. E MISTÉRIOS E PAIXÕES passou de perturbador e desagradável a sonífero. Muito interessante e bem realizado, mas difícil de me manter acordado por mais de vinte minutos. Impressionante. Tive que rever, claro, por partes. E como algumas partes eu vi em estado de sonolência, muito do filme vai para o semiconsciente, assim como acontece com VIDEODROME (1983). Com a diferença que VIDEODROME me deixa ligado. Talvez a trilha sonora jazz de MISTÉRIOS E PAIXÕES também contribua para esse efeito em mim. Enfim, são apenas especulações sobre um filme e seus efeitos.

A livre adaptação da obra mais conhecida de William Burroughs, "O Almoço Nu", é, como o próprio Cronenberg diz, uma junção de Burroughs com Cronenberg. Como se os dois autores tivessem se juntado numa daquelas máquinas de teletransporte de A MOSCA (1986). E um detalhe que eu achei interessante na entrevista contida no livro "Cronenberg on Cronenberg" é quando o cineasta diz: "Uma das coisas que eu disse para ele [para Burroughs] foi ‘Você sabe, eu não sou gay e nem minha sensibilidade é. No que se refere à sexualidade do filme, vai haver outra coisa. Eu não tenho medo da homossexualidade, mas ela não nasceu em mim e eu provavelmente vou querer mulheres no filme.". Não deixa de ser uma negação curiosa, já que muitos de seus filmes possuem elementos muito próximos da homossexualidade.

No caso de MISTÉRIOS E PAIXÕES, temos não apenas os gays da Interzone, mas também a máquina de escrever que fala pelo ânus e que adora quando colocam um pouco de veneno de barata pelo seu meio de falar. Na mesma entrevista, também achei curioso o fato de o próprio Burroughs ter dito que escrever "The Naked Lunch" o curou de sua homossexualidade e que ele estava realmente atrás de uma boceta. Outro autor contemporâneo de Burroughs, Allen Ginsberg, chegou a dizer que fez terapia para se curar do homossexualismo. Vê-se que, na época, mesmo em artistas como esses, havia uma tendência em considerar a homossexualidade como doença.

O filme apresenta elementos da vida real de Burroughs, que foi viciado em drogas, atirou na própria esposa, esteve na prisão e viveu exilado. Assim, por mais fantasiosas que pareçam as cenas envolvendo centopeias gigantes, criaturas disformes, máquinas de escrever que se transformam em insetos gigantes e veneno para insetos que vicia e proporciona uma "viagem literária", havia uma intenção de mostrar um pouco da vida de Burroughs. Pena que MISTÉRIOS E PAIXÕES não suscite em mim paixões. Apenas um respeito crescente e contínuo pela obra de Cronenberg.

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