terça-feira, outubro 12, 2010
LILIAN M: RELATÓRIO CONFIDENCIAL
Excelente a iniciativa da Lume Filmes em lançar em dvd dentro de seu já glorioso catálogo uma série de filmes do chamado Cinema Marginal brasileiro. Os primeiros a surgirem nessa leva foram BANG BANG, de Andrea Tonacci; SEM ESSA ARANHA, de Rogerio Sganzerla; METEORANGO KID, de André Luiz de Oliveira; e HITLER DO 3º MUNDO, de José Agrippino de Paula. Até chegar a vez do tão aguardado LILIAN M: RELATÓRIO CONFIDENCIAL (1975), de Carlos Reichenbach.
Trata-se de um filme de múltiplas faces, mudando de tom à medida que a protagonista vai conhecendo outros homens. Assim, é até natural, de acordo com o gosto do freguês, gostar de determinadas partes do filme e não gostar tanto assim de outras. Eu, pelo menos, tenho como sequência favorita o momento quase bergmaniano, ou khouriano, da conversa entre Lilian (Célia Olga Benvenutti) e a personagem de Maracy Mello, vivendo a irmã do funcionário público que leva Lilian do bordel para viver em sua casa. Eu diria que se o filme todo fosse daquele jeito, estaria entre os meus favoritos de todos os tempos. Ou talvez não. Talvez ficasse muito denso e opressivo.
E é longa a trajetória de Lilian. Deixa o marido na roça, ainda com o nome de Maria, para fugir com um caixeiro viajante, que logo morre num acidente de automóvel, num dos momentos mais interessantes do filme. Duas sequências se destacam: a do carro a toda velocidade como numa comédia muda e logo depois as duas versões da morte do sujeito, mostrando que o cinema marginal buscava referências fora do Brasil, como uma revolta contra o sistema.
O filme tem várias elipses, dando grandes saltos temporais, mas sem nunca deixar o espectador perdido. Uma das formas de unir os blocos é através de uma bem sacada entrevista de Lilian para um anônimo que não aparece, mas a voz é impossível não reconhecer: a do próprio Carlão. Que, aliás, também faz a dublagem de alguns coadjuvantes do filme, como o motorista de taxi e o alemão. LILIAN M também tem várias referências a torturas no regime militar, mas essas curiosamente passaram despercebidas pela censura da época, que preferiu cortar algumas cenas de sexo bem comuns. A versão que chega em dvd é a integral. Nas entrevistas, Lilian parece uma personagem saída de um thriller de espionagem. Interessante o quanto a atriz muda de expressão entre o começo e o final do filme.
LILIAN M foi todo feito de sucata da Jota Filmes e Carlão faz as vezes de diretor, roteirista, produtor, diretor de fotografia, operador de câmera e autor da trilha sonora. O amigo Inácio Araújo é o montador. No livro "Carlos Reichenbach – O Cinema como uma Razão de Viver", Carlão confessa suas principais influências para esse filme – Valerio Zurlini, Samuel Fuller, Jean-Luc Godard, Yasuzo Masamura e principalmente Shohei Imamura, destacando os filmes MULHER INSETO e SEGREDO DE UMA ESPOSA. Os dois títulos fiicam como dicas.
Os curtas presentes nesta edição de LILIAN M: RELATÓRIO CONFIDENCIAL são:
ESTA RUA TÃO AUGUSTA (1969) – Primeira experiência na direção de Carlão, incentivado por Luis Sergio Person. Trata-se de um belo documento da época. É bem irregular, mas gostei da narração em tom oficialesco, e as figuras curiosas que Carlão destacou, como o pintor que se veste de minissaia e faz quadros que misturam figuras cristãs com o visual moderno.
SANGUE CORSÁRIO (1979) – Se Carlão não fosse um grande cineasta, esse curta seria bem teatral, pois tem uma forte ênfase nos textos, na poesia de Orlando Parolini e na conversa com o amigo executivo, que lembra o passado da contracultura, citando inúmeros poetas canonizados. Destaque para os planos com o poeta recitando sobre uma Kombi em movimento.
O M DA MINHA MÃO (1979) – Foi o que eu menos gostei dentre os curtas, mas não deixa de ser um trabalho interessante e bastante pessoal de Carlão. Trata-se de um documentário sobre um acordeonista cego, Mario Gennari, e seu repertório que remete à infância do diretor. De vez em quando, flashes de cinemas e parques de diversões decadentes de São Paulo.
A edição conta com um libreto de 16 páginas com textos sobre os filmes constantes no dvd e um outro sobre o Cinema Marginal, brilhantemente escrito por Inácio Araújo. Além disso, há uma entrevista de mais de uma hora de duração com Carlão, onde ele fala sobre todos os filmes presentes no disco, num depoimento produzido e dirigido por Eugênio Puppo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário