terça-feira, junho 01, 2010
VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO
Com dois dos filmes mais importantes da cinematografia nacional dos anos 2000 no currículo, o cearense Karim Aïnouz e o pernambucano Marcelo Gomes têm prestígio suficiente para lançar nos cinemas uma obra experimental, mas que graças ao título atraente pode chamar a atenção até mesmo dos desavisados, que até podem curtir a experiência. VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO (2010) foi realizado ao longo de dez anos. As imagens foram coletadas de 1999 a 2009 e, juntas, formam um mosaico do sertão nordestino, dando ênfase para aquilo que parece ser mais exótico, o que para mim constitui um dos pontos fracos do filme. Não se trata aqui de esconder o que é feio, estranho ou ridículo, mas de saber também se beneficiar do belo, coisa que ambos os cineastas souberam fazer em suas obras máximas, CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS (2005), de Marcelo, e O CÉU DE SUELY (2006), de Karim.
O filme começa com a imagem noturna da estrada, do ponto de vista do motorista. No som do carro toca "Sonhos", do Peninha, canção que antecipa a situação sentimental do protagonista, nunca visto, mas onipresente através de suas falas e de suas câmeras (16 mm, 35 mm, Super-8, digital e até mesmo máquina fotográfica). Ele começa falando do quanto sente saudades de Joana, a mulher que ele ama, uma botânica que ficou em Fortaleza. Fala do quanto gostaria de estar com ela e não naquela viagem que levaria longos dias fazendo estudos geológicos para analisar a possibilidade de se fazer um canal para transposição das águas do Rio São Francisco. Um detalhe que me chamou a atenção diz respeito ao sotaque do narrador. O fato de ele chamá-la de "galega", por exemplo, também não me pareceu tão comum para um habitante de Fortaleza. Também pudera: Irandhir Santos, o dono da voz, é pernambucano. Poderiam dar a desculpa de que o personagem não é fortalezense. Mas enfim, provavelmente esse tipo de detalhe só seja percebido mesmo por quem mora em Fortaleza. Do jeito que ficou, o lirismo do filme pareceu quase como se recitado pelo personagem de João Miguel em CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS.
Vendo VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO até dá a impressão de que fazer cinema dessa maneira é muito fácil. Mas a ideia é boa. Quem fizer algo utilizando essa estrutura, estaria plagiando. E se reclamarem da estrutura fora do convencional do filme, podemos dizer: se o mundialmente aclamado Abbas Kiarostami pode fazer suas experimentações, por que também não podemos? O misto de ficção com documentário se acentua no único momento em que vemos o narrador conversando de fato com alguém, numa entrevista à Eduardo Coutinho, com uma das pessoas que encontra em sua "peregrinação" pelo sertão. Trata-se de uma prostituta que sonha em ter uma vida mais digna, uma "vida a lazer", segundo suas palavras. A expressão fica impregnada na cabeça do protagonista. E também na do público, que me pareceu bastante satisfeito ao final da sessão, a julgar pelos sorrisos. Mas será que a intenção do filme era mesmo despertar sorrisos? Era fazer rir do povo feio dançando com seus trajes vulgares? Sei que estou julgando de maneira preconceituosa o que é mostrado nas imagens, mas acredito que esse tipo de coisa distrai e diverte, diminuindo um pouco o que poderia ser um filme que tratasse da solidão e do abandono. Que seria o foco principal, não? De qualquer maneira, não deixa de ser um belo trabalho.
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