domingo, maio 02, 2010
AS FILHAS DO FOGO
Eu, como fã de Walter Hugo Khouri, sempre tive muita curiosidade em conferir os dois trabalhos que ele realizou direcionados ao gênero horror. Como todos os seus filmes, ainda que ancorados no drama existencial e no erotismo, guardam certo mistério, imaginei que ele seria bem sucedido ao se arriscar num gênero não muito tradicional da cinematografia brasileira. E de fato o foi. Finalmente tive a chance de conferir o raro AS FILHAS DO FOGO (1978), o segundo "filme de gênero" do diretor – o primeiro foi O ANJO DA NOITE (1974). A cópia é ripada de um vhs surrado, com uns pulos na imagem de vez em quando e uns tons esverdeados na parte superior da imagem em alguns momentos. Mas até que esses detalhes dão um ar de preciosidade ao filme. A cópia também conta com legendas em inglês – talvez seja de um vhs americano.
A música sempre bem vinda de Rogério Duprat dá o ar de mistério e ajuda a tornar a obra de Khouri sempre instigante e ao mesmo tempo familiar aos apreciadores. A parceria de Duprat com Khouri vinha desde o clássico NOITE VAZIA (1964). O filme se passa numa região extremamente verde, onde Ana (Rosina Malbouisson) chega para visitar sua amiga Diana (Paola Morra) num casarão em Gramado. Na verdade, a relação entre as duas ultrapassa o que se convenciona chamar de amizade. Inclusive, o momento mais belo e excitante do filme é vê-las beijando-se na cama. Não deixa de ser algo bastante comum da fantasia sexual masculina.
Mas o erotismo fica em segundo plano no filme, que se concentra no mistério envolvendo uma estranha senhora, Dagmar (Karin Rodrigues), que era amiga da falecida mãe de Diana. As meninas ficam assustadas quando Dagmar lhes revela que grava as vozes dos mortos na floresta. O interessante na conversa entre as duas é o pessimismo em relação à vida após a morte. Para Dagmar, de acordo com suas experiências, todas as vozes que ela captou revelavam angústia e tristeza. Ana pede para ouvir um pouco as fitas e consegue identificar as vozes. Mas o que talvez mais chame a atenção no filme não são as vozes, mas os olhos. Olhos que aparecem até mesmo na decoração da casa. Além dos olhos imaginários, da sensação de estar sendo vigiado, como na sequência em que o estranho homem que aparece pedindo comida tenta dormir na floresta e se sente ameaçado. E o que dizer também dos olhos belos e assustadores de Selma Egrei?
A proximidade com a cultura europeia, que era um dos pontos que mais incomodava os detratores da obra de Khouri, aparece ainda mais forte em AS FILHAS DO FOGO. Só o fato de se passar numa região colonizada pelos alemães já contribui para isso. Mas também há outros detalhes, como o fato de o pai de Diana ser um entusiasta da Primeira e da Segunda Guerra Mundiais. Há também as misteriosas cerimônias das religiões pré-cristãs, presentes em vários filmes ingleses de horror. Khouri não estava interessado em buscar brasilidade em suas obras. Ele preferia o universal. E acho que essa é uma das razões para eu gostar tanto de seus filmes.
Agradecimentos especiais a Laura Cánepa.
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