quarta-feira, julho 02, 2008
UM BEIJO ROUBADO (My Blueberry Nights)
Uma das grandes vantagens de se estar de férias é poder se dar ao luxo de ir ao cinema em plena segunda-feira, bem descansado, ver um filme na última sessão. Às vezes tenho até impressão que o filme ganha um ar mais gostoso, a tarefa de ir ao cinema se torna mais excitante. UM BEIJO ROUBADO (2007), de Wong Kar-wai, foi visto nessas circunstâncias. Como eu não tinha certeza se o filme entraria em cartaz em sessões e horários normais no Espaço Unibanco (onde anda sendo veiculado o trailer), resolvi me aventurar a vê-lo no Shopping Aldeota, cujo sala tem um probleminha chato de som: durante a projeção, temos a impressão de estarmos ouvindo uma estação de rádio fora de sintonia. Por isso que evito ver filmes lá. Sem falar que fica longe da minha casa. Mas dessa vez resolvi ignorar o ruído da caixa de som e curtir esse belo trabalho, estréia tanto de Kar-wai nos Estados Unidos (embora seja uma produção França-China-Hong Kong), quanto de Norah Jones como atriz. E o que eu posso dizer é que ambos se saíram muito bem. Kar-wai é aquele cineasta que eu fui aprendendo a gostar aos poucos. Não sou lá muito fã de AMOR À FLOR DA PELE (2000), o meu primeiro contato com o cinema dele. Depois de tanto falarem bem, resolvi dar segundas chances, vi em vídeo ANJOS CAÍDOS (1995) e FELIZES JUNTOS (1997), mas ainda não me convenci. Mesmo assim, posso dizer que o que mais me fascinou e ainda me fascina em seus filmes é a paleta de cores e os recursos narrativos e estilísticos. Tive a certeza de sua grandeza vendo 2046 (2004), mas ainda assim tinha partes do filme que eu não gostava, especialmente as que se passavam no futuro. Logo, pra mim é uma obra especial, mas irregular.
Há também alguma irregularidade em UM BEIJO ROUBADO mas é o filme dele que mais me deu prazer. Acho que ele cai um pouquinho só nas cenas iniciais da entrada em cena de Natalie Portman, nas cenas no cassino. Mas depois disso o filme cresce novamente e há uma química interessante entre as duas, embora a cena de Natalie e o pai nem chegue perto do que já tínhamos visto em termos de emoção até chegar aquele momento. Pra mim, a melhor coisa do filme nem são os momentos iniciais de Norah Jones com Jude Law, que são especiais também, mas o momento em que a personagem de Norah, depois de viajar para outra cidade, começa a trabalhar dia e noite como garçonete. É quando ela conhece um homem de coração partido, interpretado de maneira magnífica e comovente por David Strathairn. A personagem de Norah, que também experimentou o que é ter o coração partido, sentiu uma empatia, um elo de identificação com aquele homem que bebia para esquecer a desgraça que sua vida se tornou assim que sua mulher (Rachel Weisz) lhe trocou por outro. Se Wong Kar-wai não fosse tão chique, teria feito um belo filme brega sobre a dor de corno. Mas eu diria que UM BEIJO ROUBADO é mais um filme sobre a empatia, sobre o ouvir o outro, sobre o elo de carinho que é criado entre as pessoas. Logo no começo do filme, Jude Law, dono de um café onde se vendem deliciosas tortas, conhece Norah Jones, uma jovem perturbada pela separação com o namorado e que resolve deixar as chaves do apartamento lá no café. Law se sente atraído por aquela garota, especialmente quando ela retorna outras vezes ao mesmo lugar. E quando ela se muda para outra cidade, ela tenta manter contato com ele, através de cartões postais.
Assim, o filme pode ser dividido em três atos e um epílogo, todos muito bem desenvolvidos e feitos com extrema delicadeza. Mesmo que Kar-wai optasse por um filme todo de interiores e de diálogos, eu já ficaria satisfeito, mas ele soube aproveitar também a beleza da paisagem americana, da estrada e do deserto próximo a Las Vegas, fotografado de maneira singular por sua câmera - ou do iraniano Darius Khondji, se resolvermos dar crédito ao diretor de fotografia pela beleza das imagens. Mas no caso de UM BEIJO ROUBADO, todo o filme, incluindo aí a utilização dos filtros e das lentes, são a cara de Kar-wai. Para a trilha sonora, para que melhor escolha do que Ry Cooder? Pensou em deserto americano, pensou em Ry Cooder, graças principalmente ao marcante PARIS, TEXAS, de Wim Wenders, outro cineasta estrangeiro que se rendeu à beleza da paisagem selvagem e bela dos Estados Unidos. A trilha sonora ainda conta com Otis Reding ("Try a Little Tenderness"), Cat Power (que aparece como coadjuvante) e da própria Norah Jones, que não ia deixar de abrilhantar ainda mais o filme com a sua bela e suave voz. Mas uma coisa que eu não vou esquecer no filme certamente será da expressão de dor do homem traído de Strathairn, cujo segmento ganha ainda mais força quando toca uma certa canção de Neil Young ("Harvest Moon", cantada por Cassandra Wilson), que serve para suavizar e embelezar aquele momento de dor. Porque, para Kar-wai, a dor também tem a sua beleza.
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