quinta-feira, junho 19, 2008

RENATO RUSSO - ENTREVISTAS



Eu ia escrever um post sobre o filme novo do Lumet, mas como hoje o dia está me parecendo um pouco mais cinza do que eu esperava, acredito que estou mais em sintonia com o saudoso e atormentado cantor e compositor Renato Russo. Recentemente, aluguei o dvd RENATO RUSSO - ENTREVISTAS (2007), que possui mais de duas horas de entrevistas e boa parte do material é inédito. Das três entrevistas constantes no dvd, a única que eu tinha visto na televisão era a que ele tinha dado para o Zeca Camargo, que fazia parte do programa "A Entrevista", do tempo em que a MTV ainda falava para a minha geração. Hoje, sempre que ligo no canal, dou de cara com algum programa estúpido. Não quero falar mal da nova geração, dessa juventude que já nasceu com a internet formada, mas às vezes - na maioria das vezes, na verdade -, a impressão que eu tenho é que essa nova geração, essa que fica massacrando a língua portuguesa nos scraps do Orkut, é uma geração perdida. E aquela frase de Renato Russo da canção "Aloha", quando ele diz: "que se faça o sacrifício/ e cresçam logo as crianças" fica parecendo decepcionante. Mas vai ver fui eu que virei um daqueles velhos saudosistas que acham que as coisas boas já passaram. Se bem que eu tenho ouvido Pitty ultimamente e tenho achado suas letras e sua música bastante relevantes para os tempos atuais. Mas voltemos a Renato Russo.

Do dvd, a melhor e mais interessante entrevista, até por causa da duração, é a primeira, que mostra Renato dando uma geral na carreira da Legião Urbana dos tempos do Aborto Elétrico até o álbum V. Parece que foi ontem que eu ouvi esse disco pela primeira vez. E como ouvi. O disco é de 1991, que foi um dos anos mais tristes para minha vida pessoal, mas que foi um dos anos mais importantes para a história do rock. Era um ano de transição e enquanto lá fora bandas relevantes da década anterior se superavam e se reinventavam com obras como ACHTUNG BABY (U2) e o "black album" (Metallica), e obras novas e importantes como o NEVERMIND do Nirvana e o GISH dos Smashing Pumpkins surgiam, aqui no Brasil as bandas de rock da década de 80 tentavam sobreviver de alguma maneira em tempos de Collor. Enquanto Paralamas e Titãs vinham com discos fracos (OS GRÃOS e TUDO AO MESMO TEMPO AGORA, respectivamente) e Kid Abelha mantinha-se constante com o seu TUDO É PERMITIDO, a Legião Urbana continuava sua trajetória de excelência, graças à genialidade e sensibilidade de Renato Russo.

Renato, como bom ariano com ascendente em Peixes, seguia tanto pelo impulso quanto pela intuição o seu caminho. E ele era um cara que tinha consciência de que, de uma hora para a outra, a inspiração podia acabar. O poço seca um dia, que o digam os caras do Led Zeppelin. No território da música, especialmente do rock, isso é muito comum. É uma forma de arte bem diferente do cinema ou da literatura. Um cineasta, por exemplo, pode ficar cada vez melhor com o tempo, enquanto que um compositor musical pode perder totalmente a inspiração e definhar a sua arte. No caso da Legião Urbana, eu lembro que ao ouvir pela primeira vez "Vamos fazer um filme", do disco O DESCOBRIMENTO DO BRASIL, eu pensei comigo mesmo: "esse cara nunca vai fazer um disco ruim na vida." E quando saiu o disco solo STONEWALL CELEBRATION CONCERT, eu pensei: "e se fizer, ele pode continuar fazendo esses discos maravilhosos de covers e virar um intérprete de canções alheias que já iria me agradar bastante."

Mas voltando a falar sobre essa falta de inspiração, ele mesmo diz numa das entrevistas que, de uma hora pra outra, a Legião Urbana em determinado momento poderia deixar de ser relevante, que o Pato Fu, por exemplo - ele citou a banda mineira - poderia se tornar mais interessante que a Legião e falar melhor às novas gerações. Mal sabia ele que o Pato Fu acabaria se tornando uma banda independente e pouco apreciada pelo grande público, apesar dos poucos hits. Na verdade, depois do fim da Legião, não houve nenhuma banda que repetisse o sucesso e a qualidade da banda de Renato. A própria geração de bandas dos anos 90 (Raimundos, Planet Hemp, O Rappa, Chico Science & Nação Zumbi, Skank, Jota Quest, mundo livre s/a), se não acabaram, deixaram de ser importantes. Só o Pato Fu, que sempre foi um estranho no ninho e tinha um jeitão mais oitentista, que permaneceu fazendo bons e interessantes trabalhos nessa fraca primeira década do século XXI.

Dos melhores momentos da entrevista, eu destacaria aquele em que Renato mostra para Zeca Camargo um disco de uma banda desconhecida, que ele chama de proto-gay. Ou quando ele conta de quando ele foi para um show dos Ramones e ficou gritando pelo Joey, seu ídolo. Ou quando ele fala do quanto o homossexualismo é velado nos Estados Unidos, citando o caso de Henry Rollins, cujo namorado morreu em seus braços. Ou quando Renato diz que não quer ser mártir do rock e cita profeticamente Kurt Cobain - "ih, esse aí, vai embora cedo", ele diz. Mas ao mesmo tempo, Renato Russo sabia que sua condição aparentemente estável de viciado em drogas poderia ser totalmente revertida no dia seguinte. Ele usa o lema do "só por hoje", usado nos A.A.s da vida. E "Só por hoje" acabou se tornando o título de uma das mais tristes e belas canções da Legião, que fala sobre tentativa de suicídio e de tentativa de colocar em ordem uma vida infeliz. Infelizmente, não pudemos assistir ou ouvir nenhuma entrevista de Renato Russo sobre o depressivo álbum A TEMPESTADE, mas talvez nem precisasse, pois Renato pouco usou de metáforas, nunca foi tão direto, quanto nesse seu disco-testamento. Nunca haverá outro Renato Russo.

P.S.: Pra não fechar o post de maneira assim tão triste, vamos de notícia boa. Pra quem não sabe, em julho será lançado o disco O TROVADOR SOLITÁRIO, com onze faixas da fase de Renato Russo, voz e violão, no período entre o Aborto Elétrico e a Legião Urbana. Mais detalhes, neste link.

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