terça-feira, maio 23, 2006

TOURO INDOMÁVEL (Raging Bull)



Minha intenção hoje era falar sobre outro filme, mas depois de ver a vitória de TOURO INDOMÁVEL (1980) no ranking dos anos 80 da Liga dos Blogues Cinematográficos, resolvi tecer alguns comentários sobre o filme, que tive oportunidade de rever recentemente na edição especial em DVD da MGM. O DVD vem como principal extra um documentário de mais de uma hora dirigido pelo Laurent Bouzereau.

No documentário, Scorsese fala um pouco sobre a decisão de utilizar a fotografia em preto e branco. Uma das razões estaria ligada à cor da luva de boxe usada nos anos 40 e 50, que parece ter desagradado o diretor. Uma outra razão é que TOURO INDOMÁVEL seria o oitavo filme de boxe a estrear em 1980! Então, pra fazer diferente, Scorsese optou pelo preto e branco. E a outra razão estaria no fato de que o filme em cores envelhece mais rápido do que o filme em preto e branco. Na época, o cineasta estava envolvido com um trabalho de preservação e recuperação de filmes antigos. Um detalhe que me chamou a atenção no documentário foi o depoimento de Thelma Schoonmaker, que não se agüentou de emoção ao lembrar que TOURO INDOMÁVEL fora dedicado a um professor muito querido de Scorsese, que morrera durante a produção do filme. Fiquei emocionado e surpreso com a sensibilidade da montadora. Quanto a Paul Schrader (roteirista), é horrível ver esse homem falando. E complicado de entender o que ele diz sem a ajuda das legendas também.

Na votação da Liga, outros dois filmes de Martin Scorsese apareceram no top 20: A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO (1988), na 16ª colocação, e DEPOIS DE HORAS (1985), na vigésima. Pode-se dizer que Scorsese entrou na categoria de mito. Seus filmes crescem à medida que o tempo passa. TOURO INDOMÁVEL não teve uma recepção muito boa na bilheteria, mas aos poucos foi sendo lembrado em listas de melhores do ano, da década e até a própria academia o indicou para vários Oscars, tendo ganhado os de ator (Robert De Niro) e edição (Thelma Schoonmaker). Outros filmes do diretor também vão ganhando respeito aos poucos. Como é o caso de CASSINO (1995), que quando estreou foi por muita gente - eu inclusive - considerado um repeteco de OS BONS COMPANHEIROS (1991).

Comparando com os filmes mais recentes do diretor, TOURO INDOMÁVEL parece ter um aspecto mais rústico, não aparenta ter a sofisticação de obras como O AVIADOR (2004), por exemplo. Interessante notar que o final desses dois filmes são semelhantes, ambos fugindo da estrutura clássica, do final convencional. TOURO INDOMÁVEL traz a quarta parceria de Scorsese com Robert De Niro, seu ator-fetiche, tendo feito juntos oito títulos. A presença de Joe Pesci também ajuda a imprimir a marca do diretor, já que a lembrança de OS BONS COMPANHEIROS e CASSINO vem à mente mais facilmente para as gerações mais jovens. Interessante notar que o interesse de Scorsese pela vida de Jake La Motta não estava relacionado ao boxe. Scorsese nem sabia nada sobre o esporte. Seu interesse estaria no Jake como pessoa, na violência. Se o filme não fosse em preto e branco, seria talvez ainda mais violento. A cena em que La Motta esmurra o oponente e o sangue esguicha em abundância até os espectadores é das mais memoráveis do filme. Assim como o close do sangue pingando nas cordas do ringue e a água cheia de sangue usada para lavar o boxeador durante os intervalos das lutas. Provavelmente, o fato de o diretor ser católico explique um pouco essa fixação pela violência, que serve muitas vezes para causar uma cartarse e é tratada com respeito e reverência. Daí a bela e solene música de Pietro Mascagni, a "Cavalleria Rusticana", que abre o filme. Será que a violência é uma característica dos diretores católicos? Hitchcock e Mel Gibson me vêm à mente de imediato.

Engraçado que a cena que eu mais lembrava da primeira vez que assisti o filme, em 1989, na Globo, era a do bife, quando La Motta ainda estava com sua primeira esposa e pedia para ela lhe trazer logo o bife e a mulher brigava com ele e ele jogava a mesa com prato e tudo. Achei engraçada aquela cena e a violência não me afetava ou perturbava tanto. Os filmes de Scorsese que mais me levaram à catarse foram OS BONS COMPANHEIROS e GANGUES DE NOVA YORK (2002), os dois vistos no cinema. Que é o lugar apropriado para se ver seus filmes. Por isso, vou deixar um conselho, coisa que eu não costumo fazer: nunca deixe passar um filme de Martin Scorsese quando ele estiver passando nos cinemas. Na tela pequena não vai ser a mesma coisa.

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