terça-feira, janeiro 20, 2004

O RIO (He Liu)



Já que o dia hoje é pra falar de coisa séria, nada melhor do que escolher O RIO (1997), de Tsai Ming-Liang para comentar. Não me sinto capaz de analisar esse filme, que é tão cheio de simbolismos e riqueza de detalhes. Por isso, inicialmente indico o ótimo texto de Marcelo Ikeda sobre o filme. Mas é um texto indicado apenas a pessoas que já viram o filme, já que esclarece vários pontos que podem passar batido pro espectador.

Como eu estava meio febril por conta de inflamação na garganta, o filme foi especialmente difícil pra mim. Quando a gente está com febre, perde um pouco a vontade de viver plenamente. Você só quer ficar ali deitado, vendo tv ou dormindo. Por isso eu acabei me identificando com o personagem principal do filme.

Na história, um rapaz é convidado para fazer uma cena rápido em um filme que está sendo rodado nas águas púdridas de um rio de Taiwan. Ninguém da equipe do filme tinha coragem de "interpretar" um cadáver flutuando na água e acabaram chamando o rapaz que estava de bobeira. Acontece que depois desse incidente ele contrai uma dor no pescoço que incomoda tanto a ele quanto aos espectadores do filme. É uma agonia vê-lo tentando de todos os métodos possíveis se curar. E ele tenta porque o pai o leva, porque por ele mesmo, talvez preferisse ficar sozinho, enfermo, com vontade de morrer. Enquanto isso, seu pai freqüenta saunas gay e sua mãe é viciada em fitas pornô. Os três vivem numa casa que está com problema de infiltração de água (um dos simbolismos chave), quase como se fossem estranhos, como zumbis, apenas satisfazendo suas necessidades básicas.

O filme é narrado de uma maneira bem diferente do comum e com poucos diálogos. A câmera geralmente é estática, deixando uma sensação bem incômoda no ar. Ajuda também o fato de os personagens viverem apenas por viver, sem vontade ou sem obstinação. Até mesmo quando o pai leva o filho pra tentar curá-lo da dor no pescoço, a sua busca é sem fé, como que apenas aceitando o que a maré trouxer. Seja isso bom ou ruim. E geralmente é ruim pra quem não tem alegria de viver.

O RIO não é um filme indicado a quem procura apenas entretenimento. A pessoa pode odiar o filme ou desistir dele já no meio. É um filme que cresce bastante na sua mente com o tempo. Você o valoriza mais depois que vê do que enquanto vê, o que o diferencia de produções mais comerciais, que funcionam ao contrário: enquanto você está assistindo, está curtindo; depois, esquece facilmente.

Fiquei interessado em conhecer outros filmes de Ming-Liang, como VIVE L'AMOUR (1994), O BURACO (1998) e o mais recente ADEUS, DRAGON INN (2003), fime que passou na Mostra de Cinema de São Paulo (ou foi do Rio?) e que o Renato colocou entre os seus favoritos no ranking de 2003. O tema é bem interessante pra quem é cinéfilo: a história de uma tradicional sala de cinema que um dia acaba.

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