sábado, outubro 19, 2024

SORRIA 2 (Smile 2)



Os filmes de terror me deixam feliz. Essa frase eu ouvi de um amigo querido, o Chico Fireman. E hoje repito, como minha, pois de fato eu também tenho essa relação de afeto com o horror no cinema. Muito provavelmente já devem existir algumas pesquisas científicas sobre o porquê de isso ocorrer com tantas pessoas, já que é um gênero que tem muitos fãs. Hoje tenho perdido alguns títulos do gênero no cinema pois muitos deles só entram em cartaz em minha cidade em cópias dubladas, e eu não entendo muito bem o raciocínio das distribuidoras que fazem esse tipo de coisa. Aliás, até em filmes mais “adultos”, por assim dizer, como O APRENDIZ, para citar um exemplo de um título que entrou em cartaz na última quinta-feira, o grosso das cópias aqui é dublado. E estamos falando de um filme que fala da juventude de Donald Trump, um filme político. SORRIA 2 (2024), felizmente, contou com mais cópias legendadas e não precisei pegar a última sessão da noite ou buscar numa sala VIP para ter acesso.

Outra coisa que queria deixar registrada, ainda sobre a questão do prazer, é o quanto esse momento de estar desligado do mundo numa sala escura, de poder me desligar dos problemas e do celular por cerca de duas horas, o quanto isso me faz bem. Então, meu sentimento de gratidão com o filme cresce, principalmente quando começo a perceber, desde a primeira cena, que não estamos diante de um filme vulgar, mas de um trabalho de direção sofisticada, ainda que jogando um jogo de familiaridade e de aproveitamento dos clichês do horror, como os jump scares, as cenas com espelhos e o uso do som como auxiliar na promoção do susto.

Ou seja, o diretor Parker Finn não tenta fazer um arthouse ou algo próximo do que chamavam certos filmes de horror da década passada, o tal do pós-terror ou pós-horror, termo que felizmente logo caiu em desuso e foi rejeitado pelos próprios fãs do gênero que já sabiam que a invenção e a originalidade no cinema de horror são tão antigas quanto o próprio cinema em si. Ele adiciona neste novo filme ainda mais sangue, mais gore, mais violência gráfica e mais vigor. A história não é sobre a maldição misteriosa que chega até essa mulher e depois vai passando para outras pessoas, mas se concentra exclusivamente nela. Como se o filme percebesse que o seu maior trunfo estivesse em sua atriz, e em momento algum ele larga a mão dela.

Um dos maiores méritos de SORRIA 2 é conseguir nos envolver numa história que de certa forma já havia sido contada no primeiro filme, que eu considero um exemplar de terror quase genérico e esquecível, mas que até acho que preciso rever para perceber melhor, já que neste segundo fica muito clara a elegância na direção de Parker Finn desde o prólogo, mas principalmente como ele lida com a perda gradual e desesperadora da sanidade da protagonista, vivida por uma ótima Naomi Scott (ALADDIN). Aliás, é até curioso a gente ter em cartaz um filme com personagens tão parecidas (refiro-me a Margaret Qualley em A SUBSTÂNCIA).

Naomi Scott é uma verdadeira scream queen, um deslumbre na aparência e na entrega de sua personagem, com sua tricotilomania (transtorno psiquiátrico que faz com que o paciente sinta um desejo incontrolável e frequente de arrancar fios de cabelo), com seu nervosismo que já começa com a dor que sente no corpo e ausência de um vicodin para não sentir a dor na coluna, ocasionada pelo terrível acidente a que sobreviveu. E isso piora quando ela visita a casa de um amigo traficante de drogas e o vê extremamente alterado, para logo em seguida ter que testemunhar o rapaz tirando a própria vida de maneira brutal e gráfica na sua frente, enquanto sorri um sorriso diabólico. A partir daí é inferno abaixo na vida da personagem.

Destaque para o modo como Finn enquadra e escolhe o que mostrar e o que não mostrar para o espectador. E quando ele quer mostrar, ele é impiedoso. SORRIA 2 é também um filme sobre depressão e solidão, quando nos coloca na vida da protagonista e do quanto esse sentimento de isolamento vai se tornando cada vez mais intenso. Tanto que em certo momento sua esperança passa a estar na morte. Mas atenção: quem for ver o filme esperando uma composição narrativa calcada na história pode não gostar do filme. O interesse maior está na ambientação e nas situações desesperadoras e aterrorizantes por que passa a heroína.

Outro grande mérito está nas cenas musicais de Scott como pop star. São cenas tão caprichadas e exuberantes que deixam as cenas do show da filha do Shyamalan em ARMADILHA comendo poeira, inclusive no que se refere à música. No mais, parece que os anos 80 estão de volta novamente, com esse interesse pelo horror mais gráfico e efeitos (aparentemente?) práticos e muito criativos.

+ TRÊS FILMES

LAURA HASN’T SLEPT

O curta que inspirou e trouxe investimento para que o diretor Parker Finn fizesse o seu primeiro SORRIA (2022) se destaca também pela atenção dada à boa performance da protagonista feminina, aqui vivida por Caitilin Stasey. LAURA HASN’T SLEPT (2020) começa numa sessão de terapia, em que a jovem conta, extremamente perturbada, a seu analista estar tendo pesadelos com uma pessoa que se apresenta a ela com um sorriso assustador. A produção é bem barata, mas há alguma sofisticação no uso da câmera, seja na aproximação, seja na movimentação em 360 graus. Provavelmente ver este curta antes de ver SORRIA 2 (2024) pode ser uma experiência qualquer nota, mas, vendo do futuro onde estamos faz uma diferença, sim. Disponível no YouTube.

A GAROTA DA VEZ (Woman of the Hour)

Um filme de um assassino de mulheres dirigido por uma mulher tem um tipo de sensibilidade diferente. Nota-se que há uma busca de equilíbrio entre mostrar as cenas de violência de modo que se construa o clima de tensão e medo do assassino e não tornar essas cenas gráficas o suficiente para que se tornem um espetáculo. Anna Kendrick é a atriz principal de sua estreia na direção, um filme em sintonia com a onda de produções que parecem muito interessadas na década de 1970. Inclusive, A GAROTA DA VEZ (2023) até faria uma bela sessão dupla com ENTREVISTA COM O DEMÔNIO, já que ambos se passam num programa de televisão. Este aqui bem menos, já que há um trabalho de montagem que também tem a função de nos apresentar a algumas das vítimas do serial killer, que estava como participante nesse programa de namoro na TV. Há cenas de muita tensão, como a conversa do sujeito com a personagem de Kendrick depois do programa e há também a crítica feroz ao machismo que contribuiu, inclusive, para que o assassino continuasse a matar mais e mais vítimas.

ALIEN: ROMULUS

Legal terem dado a direção do novo “Alien” para Fede Alvarez, um cineasta que começou em Hollywood com o cinema de horror, A MORTE DO DEMÔNIO (2013), e que poderia trazer algo novo para a franquia, já que o próprio Ridley Scott, com sua irregularidade, havia fracassado com ALIEN: COVENANT (2017), cuja existência eu até já havia apagado de minha memória. Este novo filme começa já empolgante, com um novo universo sendo apresentado a princípio, o de um planeta de mineração em que não se vê o sol e tudo é feio e escuro e as pessoas trabalham nas minas até morrer. A única saída possível é através de naves com equipamentos de criogenia, dada a distância para outros planetas habitados e habitáveis. Daí a personagem principal, Rain (Cailee Spaeny), ter aceitado se a arriscar com a missão de roubar câmeras criogênitas de uma espaçonave abandonada. A espaçonave é a de ALIEN, O 8º PASSAGEIRO (1979), quase toda destruída após os acontecimentos e a posterior fuga de Ripley. Um dos personagens mais legais do novo filme é novamente um androide, Andy (David Jonsson). O ator é ótimo, desconhecia o seu trabalho. Andy passa de criatura falha e frágil e além de tudo odiada por alguns para herói que toma decisões necessárias para a sobrevivência do grupo de jovens, quando do ingresso deles na nave abandonada e ainda cheia daquelas criaturas perigosas. Fede Alvarez homenageia o filme original inúmeras vezes, mas traz um frescor necessário e uma dinâmica empolgante. Penso neste momento numa cena que envolve o funcionamento da gravidade numa situação de ataque de diversos monstros. Cena excelente, como outras tantas. Não é um trabalho totalmente original, mas não tinha mesmo como ser, já que tem a função de dar continuidade à mitologia, mas aqui sem muitas complicações. Uma das coisas que me incomodou foi aquela contagem regressiva do computador central, excessivamente conveniente para a trama, embora compreensiva do ponto de vista do jogo de suspense.

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