sábado, abril 27, 2024
MUSIC (Musik)
Na quarta-feira, consegui uma folguinha do trabalho e aproveitei para ver a última sessão disponível de MUSIC (2023), de Angela Schanelec. Não conhecia o cinema da diretora, mas o comentário que havia ouvido dos amigos é que se tratava de um filme quase incompreensível. Logo, já cheguei no cinema com a disposição de encarar o desafio naquele horário “de herdeiro” (13h40, um horário que fez com que eu tivesse que me organizar em almoçar fora e procurar um bom e caprichado expresso fora do espaço do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura). Além do mais, como ainda sigo com uma crise alérgica e resquícios de uma virose, fui buscando alternativas para estar com a mente e o corpo dispostos o bastante para aquela sessão. Felizmente, deu certo.
Algo que já chama a atenção em MUSIC (2023), de Angela Schanelec, é o quanto ele instiga em sua narração, que com frequência nos faz indagar o que está acontecendo, por que tal ação foi mostrada depois da anterior, qual o sentido dos pés feridos, entre outras particularidades e preferências formais, que remetem muitas vezes ao cinema de Bresson (as mãos, o extracampo, o estilo de dramaturgia). Para quem teve o início de sua cinefilia nutrida com doses de Lynch e Buñuel e depois se apaixonou por Bresson, esse tipo de sensação de não estar entendo tudo e, mesmo assim, estar curtindo muito, não é exatamente novidade.
Aos poucos, no meio de tantas elipses, uma história principal vai se mostrando um pouco mais clara, principalmente perto da metade do filme, quando uma moça que trabalha num presídio se envolve afetivamente com um jovem presidiário, o jovem que é preso por matar acidentalmente outro, durante férias com um grupo de jovens no que parece ser a Grécia. Sobre os tais pés feridos, é curioso que isso já se mostra presente na primeira vez que somos apresentados a Jon, o protagonista. A primeira coisa que vemos dele são seus pés feridos e sujos, descendo de um carro, aparentemente dos anos 1990. A juventude em flor é apresentada em cenas em que os jovens do grupo tomam banho nus ou seminus num lago. Logo à frente, quando Jon está preso, percebemos que os presos usam tamancos de madeira, tão desconfortáveis a ponto de todos ficarem, consequentemente, com os pés feridos.
A preocupação com o enredo é menor, ainda que ela exista sim (não à toa o filme ganhou o prêmio de melhor roteiro em Berlim-2023). Livremente baseado em Édipo Rei, de Sófocles, o filme deve ganhar bastante com uma revisão, em termos de compreensão da trama, mas, em termos de apreciação das imagens e da ambientação, a primeira vez é o suficiente para nos encantarmos com muito do que Schanelec traz.
Gosto de como a diretora drena a carga dramática dos atores/personagens, mesmo nos momentos mais trágicos, e faz com que essa dramaticidade mais excessiva permita se apresentar de forma mais contundente nas cenas musicais, que são poucas, mas muito expressivas. Aliás, para um filme chamado MUSIC, o que temos bastante é silêncio. Até os diálogos são reduzidos ao máximo, num trabalho de subtração tanto de dramaticidade quanto de enredo. É o tipo de filme em que saímos do cinema sem ter entendido muito, mas muito satisfeitos com a experiência, um filme que nos convida a ler nas entrelinhas, a procurar entendê-lo a partir de imagens que às vezes funcionam como símbolos. É uma obra que funciona como um jogo de compreensão, e que, por isso, é tão desafiadora quanto recompensadora.
+ DOIS FILMES
LA CHIMERA
Tendo visto apenas dois longas e um curta-metragem da carreira já generosa de Alice Rohrwacher, percebo que ainda tenho dificuldade de me aproximar com vontade e carinho de sua poética, por mais que perceba sua assinatura de cara - e vejo isso como um ponto positivo para um autor. A fotografia granulada, vindo de película 16mm e 35mm, chama atenção mais uma vez para as imagens e as cores nesta história estranha sobre um homem que tem o dom de encontrar artefatos enterrados na região onde mora, outrora lar dos etruscos. Em LA CHIMERA (2023), o inglês Josh O'Conner é o protagonista, homem que está de volta a sua terra, depois de um tempo distante. Aos poucos vamos sabendo um pouco mais sobre ele e sobre as pessoas que o circundam e o circundavam. O que eu sinto falta no filme de Rohrwacher pode até ser bobagem, mas talvez seja algo de mais atraente em seus personagens. Também fico sentindo falta de me encantar com os elementos fantásticos trazidos para o filme, embora veja sim o final como bonito e poético. Carol Duarte está bem como a empregada da personagem de Isabella Rossellini, e que esconde da patroa duas crianças pequenas no próprio casarão onde vive. Ou seja, o filme com frequência põe situações estranhas dentro de uma narrativa que pende, aparentemente, para o realismo. Imagino que vá gostar mais do filme numa revisão, ou quando me sentir um pouco mais confortável com seu estilo.
20.000 ESPÉCIES DE ABELHAS (20.000 Especies de Abejas)
Eu tenho aquele velho e ridículo problema (que não sei ainda explicar) de ter sono com filmes protagonizados por crianças. Mas acho que, no caso deste, estar gripado e o horário da tardinha podem ter contribuído. Ainda assim, fiquei muito interessado no estilo de narrativa de 20.000 ESPÉCIES DE ABELHAS (2023), de Estibaliz Urresola Solaguren, e de ir descobrindo aos poucos as angústias de suas personagens, principalmente da criança e de sua mãe. Ela, por ficar confusa em relação à sua sexualidade, de não querer mais aceitar ser um menino, aos oito anos de idade, e a mãe por se sentir surpresa com esse momento de descoberta da garota durante as férias de verão da família, numa aldeia ligada à apicultura. A diretora opta muitas vezes (ou sempre?) pela câmera na mão, quase como se estivesse espiando as personagens. O filme não é do tipo que leva o espectador pelo braço: faz com que ele vá descobrindo o que está acontecendo aos poucos. A menina, Sofía Otero, está ótima e muito natural em seu papel. Seu prêmio em Berlim parece merecido.
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