quinta-feira, agosto 24, 2023
BESOURO AZUL (Blue Beetle)
Na Marvel há um super-herói muito interessante, o Homem-Aranha 2099, que é latino e cujas histórias preveem que o futuro será dominado culturalmente pela cultura hispânica, e não pela cultura de língua inglesa, como é atualmente. Como o mundo passa por transformações às vezes inacreditáveis, não podemos descartar essa possibilidade. Enquanto isso, porém, o que temos são migalhas da cultura latino-americana expressadas em produções mainstream. E uma dessas migalhas estreou na semana passada nos cinemas de todo o mundo, BESOURO AZUL (2023), uma produção dirigida, roteirizada e estrelada por artistas latinos, incluindo a nossa Bruna Marquezine, ótima representante do Brasil no filme.
A simpatia de BESOURO AZUL é nítida desde o início, quando somos apresentados à família de Jaime Reyes (Xolo Maridueña), um rapaz recém-graduado que retorna à Palmera City de sua amada família. A família de Jaime está passando por situações difíceis: problemas financeiros e um quadro de saúde delicado do pai do rapaz, que teve um infarto sem que fosse noticiado ao filho. O filme agrada ao mostrar essa relação de amor dessa família vivendo numa casa simples, mas esbanjando bom humor. Destaco a irmã Milagro (Belissa Escobedo), o tio inventor Rudy (George Lopez) e a avó anti-imperialista Nana (Adriana Barraza). Os latinos de Palmera City vivem sendo empurrados cada vez mais para áreas mais distantes e periféricas, por causa do domínio de uma família milionária, os Kords, que agora são controlados pela malvada Melissa Kord (Susan Sarandon), irmã do Besouro Azul original Ted Kord.
Ter um vilão é essencial para que uma história clássica de luta entre o bem e o mal caminhe e, por isso, quando eles são fracos, muito do filme sai um tanto prejudicado. E é o caso de BESOURO AZUL, que se transforma numa obra bem genérica quando pensamos no enredo, na construção dos vilões e até nas lutas. Nesse sentido, é um filme que causa um tanto de preguiça para quem está acostumado a ver tanta aventura de super-herói pipocando há mais de duas décadas. Então, o que salva esta nova aventura são os personagens, inclusive a Jenny Kord de Bruna Marquezine, que surpreendeu a muitos com sua importância na trama e sua sintonia com os personagens.
Jenny não é apenas o interesse amoroso do protagonista, mas responsável direta pela evolução da narrativa, a partir do momento que rouba o artefato do besouro. Soube que a jovem atriz disse num podcast recente que é muito mais divertida em português, em sua língua original, o que é totalmente compreensível. No filme, ela tem uma única fala em português, enquanto a família Reyes fica em vantagem, não apenas falando espanhol com frequência, como também ao fazerem referência, com muito bom humor, a fenômenos populares do México, como Chapolim Colorado e Maria do Bairro.
Ao contrário do que muitos pensam (eu mesmo não lembrava desse herói, embora tivesse lido algumas aventuras da Liga da Justiça Internacional tempos atrás), Besouro Azul é um personagem bem antigo. Ou pelo menos sua primeira versão, de 1939, é. Recentemente, inclusive, estive lendo um dos ótimos trabalhos do roteirista de quadrinhos Tom King, O Alvo Humano, e o Besouro Azul comparece na história. Não o Jaime Reyes, mas o Ted Kord. Aliás, trazer à tona a lembrança do texto brilhante de King só enfatiza a percepção do quanto os filmes da DC (e da Marvel), em geral, estão carentes de um roteiro de excelência. Mas podia ser pior para o filme do diretor Ángel Manuel Soto: o fato de ele estar quase independente do “snyderverso” pode ser positivo para uma eventual sobrevida do personagem no cinema.
+ DOIS FILMES
CASA VAZIA
Eis um filme que poderia ter rendido muito, especialmente por causa de seu potencial para trazer não apenas tensão, mas também mistério, nas várias cenas noturnas. A trama poderia muito bem ser transposta para um cenário urbano e render tanto um filme de espionagem quanto um policial. Poderia muito bem ser um faroeste noir também. Em CASA VAZIA (2021), de Giovani Borba, acompanhamos um homem de meia idade com o rosto marcado pelo tempo e pela vida dura, sem emprego e vivendo de bicos perigosos, numa área rural do Rio Grande do Sul. A mulher e os filhos foram embora, desistiram dele, e a vida acaba lhe trazendo a possibilidade de fazer jogo duplo, tanto com os ladrões de gado quanto com os vigias da propriedade. A fotografia de Ivo Lopes Araújo é um dos destaques, inclusive nas cenas noturnas, mas também com o belo uso das cores nas cenas diurnas. Pena que o filme parece ficar à deriva em sua conclusão, quando até mesmo cenas que poderiam impactar carecem de força.
À BEIRA DO MACHADO (Al Filo del Hacha / Edge of the Axe)
Na entrevista que vem nos extras do DVD que contém À BEIRA DO MACHADO (1988), um dos atores conta que todas as cenas foram filmadas na Espanha. No entanto, consta no IMDB que parte das filmagens se deu no interior da Califórnia. Talvez apenas algumas filmagens de paisagens, então. O ator também diz que só teve a oportunidade de ver o filme numa edição em VHS, um provável sinal de que não chegou a ser lançado nos cinemas americanos. O gênero slasher, àquela altura, já estava passando por um sinal de cansaço e o mercado de home video estava em ascensão. O catalão José Ramón Larraz, do ótimo SINTOMAS (1974), rodou visando o mercado internacional (isso explica a grande maioria de atores americanos de terceiro escalão) este slasher simpático com um assassino de visual interessante que usa um machado para dar cabo de suas vítimas numa cidadezinha pacata dos Estados Unidos. O próprio diretor não considera este um de seus melhores trabalhos, mas há muitas coisas interessantes e diferentes para o gênero, como a questão do trauma de uma das personagens sendo mostrado só após uma hora da narrativa. Além do mais, é divertido ver os personagens trocando mensagens em seus computadores pessoais, e um diálogo sobre o quanto essa prática estaria prejudicando a vida deles - eles não viram nada. No mais, as cenas de matança são elegantes e têm uma beleza plástica própria. Só não dá para engolir o desfecho, mas isso faz parte da graça. Visto no box Slashers IX.
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