sexta-feira, maio 12, 2023

A RAPOSA CINZENTA (The Grey Fox)



Que dias difíceis esses. Estresse no trabalho e constante queda na imunidade, com gripes me pegando todas as semanas e me dando uma sensação de tristeza e de revolta. Chego do trabalho às vezes com vontade de chorar, embora o choro não venha – e talvez isso seja ruim também, pois as emoções ficam represadas. Vejo o monte de filmes que gostaria de ver, inclusive na estante ou perto da televisão, em formato de mídia física, um monte de livros e quadrinhos que me esperam, e que não encontram brecha neste atual momento.

Vendo meus trânsitos astrológicos atuais, vejo que uma lua progredida em quadratura com o sol indica perigos de descontentamento crônico, que durará até o mês de agosto. Ou seja, preciso ver se esse meu mal-estar é algo passageiro e optar sempre por respirar fundo e procurar manter o bom humor, não importando de que jeito. Além disso, há outro trânsito de lua progredida em oposição a Urano, indicando estresse até julho. Enfim, fui revisar esses trânsitos em busca de respostas para esse atual momento e acho que fazem sentido e de certa forma isso me deixa um pouco mais conformado. Observação: não sou astrólogo: peguei isso do site Personare. 

Enfim, no domingo, chegando de um passeio (acho que forcei a barra, escolhendo uma praia como programação com minha namorada), me vi gripado novamente e exausto. Mesmo assim, fui tentar escolher um filme que talvez não requeresse tanto de minha mente cansada. Costumo pegar slashers, às vezes, mas sei que faroestes também funcionam muito bem como narrativa de conforto. Geralmente funciona como uma espécie de fuga do mundo contemporâneo e o western é um gênero que conseguiu transcender o filme histórico, criando suas próprias regras e seu próprio universo, embora, claro, muitos diretores tenham conseguido, com habilidade, transgredir algumas dessas regras ou adicionar novos elementos.

Tudo isso para dizer que escolhi A RAPOSA CINZENTA (1982), de Phillip Borsos, presente no box Cinema Faroeste Vol. 11, da Versátil Home Video. Lembro que, numa edição antiga da revista SET, o filme foi um dos destaques da sessão de videolançamentos (no tempo do VHS). Porém, ou nunca achei em locadoras ou nunca me interessei suficientemente para vê-lo, a ponto de fazer uma busca pela cidade. Eis que chegou o dia.

Para quem é fã de David Lynch, o filme traz de cara um atrativo: a presença de Richard Farnsworth (HISTÓRIA REAL), já com mais de 70 anos de idade e com olhos e rosto marcado magnéticos o suficiente para ser o ladrão cavalheiro que o filme pedia. Os olhos azuis e o sorriso sereno são marcantes. É fácil se solidarizar e torcer pelo sucesso nos negócios de seu personagem, Bill Miner, um dos maiores assaltantes de carruagens do século XIX, que foi libertado da prisão após 33 anos e descobre que quer continuar fazendo aquilo de que gosta, aquilo que sabe, naquele início de século XX. Ao que parece o filme procura tornar o ladrão muito melhor e agradável do que realmente foi, mas é do filme que estamos falando.

A RAPOSA CINZENTA é um desses filmes que nascem como um milagre. O diretor só havia feito três curtas, mas queria apresentar uma obra essencialmente visual, com poucos diálogos. E conseguiu muito bem, ainda levando consigo o talentoso diretor de fotografia Frank Tidy (de OS DUELISTAS) para fazer quadros vivos lindos com locomotivas, pessoas em movimento e a paisagem fria do Canadá.

Além do mais, há ainda algo que aconteceu meio que acidentalmente nas filmagens, que foi uma maior ênfase no romance que o velho protagonista tem com uma fotógrafa feminista (Jackie Burroughs), um desses romances de dar gosto de ver. E por isso a terceira parte do filme nos deixa tão aflitos. Os executivos, inclusive, estranharam o fato de um western dar tanto peso ao romance, mas nas sessões de teste, notou-se que se estava diante de uma obra que agradaria homens e mulheres, e isso acabou sendo usado na publicidade.

Adoro uma cena em que Bill Miner pergunta à futura namorada o porquê de ela estar ali naquele lugar, onde não havia nada de interessante para fotografar, e ela diz que há sim, que aquele lugar está em estado de mutação e que há muita beleza e desespero. Adorei o modo como ela alia essas duas palavras, como se quisesse dar uma definição para a própria vida.

A RAPOSA CINZENTA é tido como um dos mais importantes westerns crepusculares, embora hoje não seja tão famoso. O próprio diretor hoje é um tanto esquecido por muitos – o fato de ter morrido jovem não ajudou também. Mas é preciso resgatar o filme, torná-lo um pouco mais popular. Inclusive, o andamento cadenciado deve agradar aos fãs de filmes mais arthouse.

+ TRÊS FILMES

MICKEY ONE

Fico imaginando o público americano entrando no cinema para ver MICKEY ONE (1965) achando se tratar de um suspense, ou um filme com muito romance, e dá de cara com essa obra quase impossível de compreender do mundo de vista da narrativa. Achei cansativo acompanhar o personagem de Warren Beatty fugindo o filme inteiro, sem sequer saber o motivo. Há os simbolismos que Penn e o próprio Beatty pensam do filme, como abordar o macarthismo de forma cifrada, mas a verdade é que MICKEY ONE está mais para um exercício de rebeldia do diretor, que vinha de momentos desagradáveis na relação com as produtoras e acaba conseguindo rodar esse filme muito barato e com a presença do jovem Beatty, que só aceitou participar pela vontade de trabalhar com Penn, já que não gostava do roteiro. MICKEY ONE é um filme quase tão importante quando BONNIE E CLYDE – UMA RAJADA DE BALAS (1967), mas não fez o mesmo sucesso e por isso não é visto como marco da Nova Hollywood quanto seu primo mais rico. Inspirado na nouvelle vague francesa, o filme parece uma espécie de derivado do derivado, o que não deixa de ser interessante e de trazer uma experiência bem curiosa para o espectador que se dispõe a vê-lo. Visto no box A Arte de Arthur Penn.

DEIXEM-NOS VIVER (Alice’s Restaurant)

Vendo DEIXEM-NOS VIVER (1969) é possível pensar na filmografia de Arthur Penn como a de alguém que se sensibiliza com os rebeldes, com aqueles que encaram com coragem o sistema. Depois de BONNIE E CLYDE – UMA RAJADA DE BALAS (1967), o diretor resolve dirigir uma outra história real, mas agora de alguém que está vivo e que interpreta a si mesmo, o cantor e compositor de música folk Arlo Guthrie, que, com seu sorriso no rosto o tempo todo, simboliza o tom leve que o filme se propõe, mesmo tratando de questões dramáticas pesadas, como o uso de drogas injetáveis, ciúme gerado por um tipo de amor mais livre dentro da comunidade hippie e questões sócio-políticas que o país estava enfrentando no momento, como a guerra do Vietnã e a disposição da sociedade conservadora de agir com agressividade com hippies e pessoas pretas. Senti falta de uma simpatia maior de minha parte com os personagens, mas acredito que esse distanciamento faz parte do estilo adotado pela Nova Hollywood naquele momento. Além do mais, Penn não busca um naturalismo nas interpretações e sim um tipo de liberdade que entre em sintonia com o estilo de vida do grupo. Filme visto no box A Arte de Arthur Penn.

O PASTOR E O GUERRILHEIRO

A gente percebe que está velho quando o que vivenciamos com muita intensidade, a virada do milênio, agora parece um momento longínquo. O PASTOR E O GUERRILHEIRO (2022), novo trabalho de José Eduardo Belmonte, se passa em dois momentos paralelos: 1973 e 1999. A personagem de Julia Dalavia (atriz mais conhecida por seus trabalhos na televisão) é a filha de um coronel que trabalhou como torturador para a ditadura civil-militar brasileira e que é chamada para receber a herança do falecido genitor. Na casa desse pai com quem ela não conviveu, a jovem encontra o livro de um homem que combateu na batalha do Araguaia (Johnny Massaro, sempre ótimo) e é desse momento da vida do jovem de esquerda que o filme nos leva para os anos de chumbo. Curiosamente, o filme trata esse personagem como alguém próximo à figura de Jesus crucificado, algo que poderia, inclusive, ter sido explorado com mais profundidade no filme. Um dos momentos mais bonitos é o debate filosófico entre os dois personagens do título, que passam a conviver na prisão e a estabelecer uma relação de amizade. O amigo evangélico ouve o que o guerrilheiro tem a dizer sobre a proximidade do comunismo marxista com Jesus. Também gosto muito da última cena na igreja, com um belo, tocante e respeitador sermão do pastor, agora um homem maduro. O filme melhora da metade para o final e talvez o ponto fraco esteja nos elos, ou seja, nas cenas com a personagem de Dalavia e de seu namorado, ou dela com a avó (Cássia Kis). Mas mesmo algumas cenas com a jovem trazem momentos ricos para discussões. Uma pena que a única sala que exibe o filme em Fortaleza tem uma projeção tão ruim que a fotografia é um verdadeiro breu, principalmente as cenas noturnas na floresta.

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