sábado, abril 15, 2023

MEDUSA



Embora não tenha visto tantos filmes quanto gostaria, a quantidade de títulos que tenho visto e sobre os quais não tive tempo de escrever a respeito de maneira mais aprofundada aqui para o blog chega a ser assustadora. Atualmente, o pouco tempo que me resta após o expediente na escola tem sido para recuperar um pouco as energias e raramente tenho conseguido ver um filme inteiro, devido ao cansaço. Mas acho que estou me repetindo. Já devo ter falado sobre isso diversas vezes. Então, como não é algo que está sendo possível mudar, por ora, aproveito esta manhã/tarde de sábado para rememorar um dos melhores filmes vistos neste ano. Acredito que ainda é o meu favorito brasileiro do ano: MEDUSA (2021), de Anita Rocha da Silveira.

Os três filmes escolhidos abaixo, para complementar a postagem, inclusive, são também dirigidos ou codirigidos por mulheres e também são filmes de gênero (terror/suspense/western) que funcionam como espelhos da sociedade brasileira contemporânea. E é muito interessante ver o quanto as mulheres cineastas têm abraçado o cinema de gênero no Brasil. E olha que uma das mais importantes diretoras de filmes de terror do país, já faz um tempo que não lança trabalho novo no cinema, tendo preferido fazer trabalhos para a televisão/streaming. O último longa-metragem de Juliana Rojas (em parceria com Marco Dutra) foi o incrível AS BOAS MANEIRAS, em 2017. (Ainda sobre os quatro filmes escolhidos para esta postagem: todos eles são protagonizados por mulheres e trazem performances incríveis e poderosas.)

Por isso é bom ver que há várias outras diretoras com essa preferência, como é o caso de Anita Rocha da Silveira, que já havia estreado brilhantemente na direção de longas com MATE-ME POR FAVOR (2015). Neste seu segundo longa-metragem, ela mostra um domínio do ofício de direção que me faz gostar tanto do filme, de sua ambientação, de seu humor mordaz, de sua inteligência, de suas atrizes e de sua mise-en-scène, que até o final, que me deixou dividido e talvez pouco satisfeito, eu estou tentando relevar – ou, quem sabe, até compreender melhor.

Mari Oliveira está ótima como uma das cantoras de um grupo vocal de uma igreja evangélica. A princípio, achei que o filme iria se centrar na personagem da novata que chega à igreja, mas aos poucos vemos que Mari é a personagem central. O filme se passa num pesadelo em que o Brasil se transforma num evangelistão e pessoas que ousam não "aceitar Jesus" são punidas por grupos de moças usando máscaras. Assim como MATE-ME POR FAVOR, MEDUSA funciona como cinema de horror e como algo próximo a uma comédia provocadora - especialmente nas cenas na igreja, nas reuniões de jovens e vídeos de YouTube.

MEDUSA é um excelente retrato do período em que o bolsonarismo tornou o Brasil uma realidade de terror, mas funciona também como um alerta, já que sua história é uma distopia. Imagine viver num mundo em que se é cobrado a aceitar o que se deve louvar ou acreditar (ou fingir acreditar). Além do mais, como as cenas externas se passam principalmente à noite, o espaço fora da iluminação artificial da igreja, é como se fosse um mundo tomado pelo medo, exceto quando um grupo de pessoas passa a optar pela rebeldia e fazer festas clandestinas em lugares escondidos, e sob a luz do luar, como se aproveitando as possibilidades da natureza para sentir prazer com a arte e com o corpo jovem e saudável, tentando não se importar com a ditadura imposta pela “teocracia”.

Espero que o próximo filme da realizadora não demore tanto a se materializar. 

+ TRÊS FILMES

CARVÃO

Impressionante a força da direção deste primeiro longa-metragem de Carolina Markowicz. Desde o prólogo, CARVÃO (2022) diz a que veio, sem entregar as surpresas vindouras. Trata-se de um daqueles filmes que se beneficiam de se saber o mínimo possível antes de entrar na sessão. Maeve Jinkings está extraordinária como uma mãe de um menino pequeno, esposa de um carvoeiro (Rômulo Braga) e filha de um velhinho moribundo. Sua vida e de sua família mudam com a proposta de uma mulher. O que me deixou boquiaberto na performance de Maeve é no quanto ela se transforma na personagem, deixando de lado apenas a sombra da atriz que conhecíamos de outros papéis. Aqui, como uma mulher endurecida pela vida na região rural e com pouca instrução, ela chegou a me assombrar. E olha que temos também outros grandes atores no elenco: Rômulo Braga, o argentino César Bordón e Camila Márdila, em papel pequeno mas marcante. O tom sombrio do filme é uma forte marca, e há algo até de cinema fantástico, mas um fantástico que surge rasgando o naturalismo. Desde já, um dos melhores e mais surpreendentes filmes brasileiros do ano.

FOGARÉU

O filme escolhido para fechar a Mostra Retroexpectativa do Cinema do Dragão foi este muito interessante drama carregado de mistério e também das feridas do nosso passado como país, feridas que ainda insistem em permanecer presentes. Na trama, Bárbara Colen é uma jovem que visita sua família para saber do inventário, do que ela tem de direito nas terras da fazenda de seu tio, agora que sua mãe faleceu. Mas sua intenção é também descobrir mais sobre seu passado, descobrir segredos guardados por muitos anos, e quem sabe descobrir segredos daquela estranha cidade. O filme é ótimo quando abraça o mistério e se perde um pouco quando busca conclusões e respostas. Até acho que até poderia ter sido mais ousado nos aspectos fantásticos, antes de se enraizar tanto no realismo. FOGARÉU (2022), de Flávia Neves, traz outro grande momento de Colen, uma das mais brilhantes atrizes de sua geração.

MATO SECO EM CHAMAS

Conheço pouco o cinema de Adirley Queirós, mas uma das coisas que percebi vendo mais este filme do realizador (que assina desta vez com Joana Pimenta) é que ele tem uma assinatura bem perceptível. Adora mostrar a geografia áspera das cidades-satélite de Brasília e de brincar com cinema de gênero de um jeito muito próprio. Se em BRANCO SAI, PRETO FICA (2014) havia a sci-fi, agora ele brinca com o western, ao nos apresentar a um grupo de mulheres que trabalham com petróleo na comunidade Sol Nascente, em Ceilândia-DF. Elas são tão fortes e cheias de marra que viram lendas urbanas, até mesmo são temas de canções, como os foras-da-lei do velho oeste americano. Adirley e Joana não temem as tomadas longas e sem pressa, mesmo que isso resulte numa obra com mais de duas horas e meia de duração. Vale a pena ver MATO SECO EM CHAMAS (2022) com o corpo mais descansado (e não como eu vi, numa maratona louca). Destaque para as três mulheres principais da trama. A câmera se enamora delas, principalmente das duas irmãs (Chitara e Lea). O filme aproveita muito bem os momentos mágicos que são as conversas entre as duas. Além do mais, há uma coragem admirável de tomar partido do grupo marginalizado, até por entender, como em ARÁBIA, mas com bem menos sentimentalismo, o porquê do surgimento do banditismo de pessoas pobres na tão desigual e complexa sociedade brasileira.

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