sábado, fevereiro 18, 2023
TEUS OLHOS MEUS
Acho que preciso lidar melhor com questões relativas à exposição para os outros. No meu ambiente virtual, no blog, em geral eu costumo falar aquilo que penso, embora de uns anos para cá tenha me policiado para filtrar algumas coisas que poderia pensar. São novos tempos e tempo também de repensarmos aquilo que deve ser falado. No caso, escrito. Pensei nisso agora pois ando preocupado com dois textos que preciso entregar para veículos importantes, textos de encomenda que julgo serem importantes, tanto por eu respeitar muito as pessoas que os pediram, quanto porque eles serão registrados em papel também e eu quero dar sempre o melhor, ficar esperando o dia mais inspirado etc, mesmo sabendo que nem tudo é inspiração. E é por causa disso que tenho tido menos tempo para escrever para o blog. Hoje, por acreditar que não será um dia tão produtivo assim, vou tentar escrever um texto sobre um filme relacionado a um dos textos de encomenda. Deixando claro que, “texto de encomenda” não quer dizer que não seja texto tão pessoal quanto os que escrevo para o blog.
Por causa do texto sobre CANASTRA SUJA (2016), filme cujo texto com as primeiras impressões pode ser lido aqui no blog em postagem de 2018, estou conhecendo um pouco mais sobre seu diretor, Caio Sóh. Não sabia quem ele era até então. CANASTRA SUJA já era seu quarto longa-metragem e foi lançado de maneira muito independente, apesar de ter no elenco astros de primeiro escalão num filme que parece até um pouco deslocado no tempo. Lembra muito as adaptações para o cinema de Nelson Rodrigues rodadas nos anos 1980. A impressão que tenho, aliás, é que hoje em dia as pessoas não estão mais preparadas para a porrada que é o texto do Nelson.
Pois bem. Cheguei então em TEUS OLHOS MEUS (2011), primeiro longa-metragem de Sóh. Uma coisa interessante é que o diretor não começou com um curta, como geralmente a maioria dos diretores preferem, mas logo com um longa. Em entrevista que vi recentemente no YouTube, ele conta que as pessoas diziam: puxa, por que você não começa com um curta? Ele dizia: porque a minha história é longa. Tem que ser um longa. E já começo admirando também o fato de que ele fez esse filme com um orçamento de apenas mil reais. Não sei se isso é lenda, mas acredito nisso. A câmera usada não é das melhores e a fotografia, pelo menos a disponibilizada na cópia para o YouTube não é uma das maiores preocupações. E, de certa forma, gosto disso. Gosto como seu interesse maior, a construção dos personagens e a busca por uma narrativa fluida e interessante, é afinal o que se destaca.
E também gosto como é bem a cara do primeiro filme de um jovem diretor, cheio de angústias, cheio de ideias, e esse conjunto de angústias e ideias se apresenta na figura do personagem de Emilio Dantas, chamado Gil. Ele é um jovem rebelde e que adora escrever nas paredes pensamentos que lhe surgem na cabeça, como se aquilo fosse uma necessidade tão grande quanto comer, beber ou fazer suas necessidades. Na entrevista, soube que Caio Sóh era (ou é?) esse sujeito que também tinha esse hábito de escrever nas paredes, até mesmo nas paredes das casas dos amigos. Não só em paredes, ele dizia, mas em qualquer papel que estivesse pelo caminho. Podia ser papel higiênico até. Aliás, sobre essa coisa de escrever nas paredes, acho que já devo ter contado por aqui que aprendi/descobri a ler escrevendo meu nome nas paredes da minha casa. Logo, houve um pouco de identificação com o personagem/autor nesse sentido.
Pois bem. Gil mora com os tios numa casa simples. Paloma Duarte é a tia carinhosa; Roberto Bomtempo é o tio que não tem muita paciência e não curte nada aquele sobrinho que chega bêbado e não estuda e nem trabalha. Gil mora com os tios pois a mãe dele morrera vários anos atrás. Mas a convivência não é muito boa. E temos o outro protagonista, Otávio (Remo Rocha, que aparece numa cena engraçada e tensa de CANASTRA SUJA), um homem mais velho que Gil e que mora com o namorado num apartamento luxuoso, mas que já está cansado das crises de ciúme do tal namorado. Numa discussão, ele sai de casa à noite e acaba encontrando Gil num barzinho. Gil não tinha dinheiro nem para uma dose de vodca, mas Otávio puxa conversa com ele (sobre o ato de compor músicas) e oferece uísque à vontade. É o começo de uma noite memorável entre os dois, uma amizade que nasce do respeito mútuo, e que se encaminha para um beijo na praia. Beijo problematizado por Gil: eu não sou viado, diz ele repetidamente, perturbado.
Uma das coisas que eu acho muito interessante nessas cenas da noite entre esses dois personagens que acabaram de se conhecer, e que geram um vínculo imediato, é que os diálogos são todos recortados com a edição. Diálogos recortados e uma câmera na mão bastante tremida para ressaltar um tipo de cinema mais próximo do realismo. E esse realismo obtido (não sei se de maneira deliberada) acaba se encontrando com um tom de fábula mitológica, quando o filme apresenta o seu final.
O final é outra coisa que se destaca no filme, pois foi alvo de crítica até mesmo na hora da distribuição. TEUS OLHOS MEUS não chegou nem a ser distribuído em circuito brasileiro, ficando apenas arquivado e depois exibido na televisão. E olha que o filme chegou a ganhar prêmios no Los Angeles Brazilian Film Festival, levando as estatuetas de melhor filme, roteiro (do próprio diretor), ator (Emilio Dantas), atriz coadjuvante (Paloma Duarte) e música – Maria Gadú, uma das autoras da trilha, participa na música e em pontas no filme.
Ou seja, o filme poderia ter se beneficiado de uma exposição maior, sendo visto por um público maior, e em vez disso ficou meio invisível. Ainda sobre o final, é interessante como, se compararmos com CANASTRA SUJA, Caio Sóh parece um daqueles roteiristas que se apresentam como um deus cruel e sádico nas histórias de suas criações. Por mais que pareça amar muito seus personagens também. Amando ou detestando TEUS OLHOS MEUS, é difícil desgrudar os olhos do filme. Isso por si só já é um mérito e tanto. Ainda mais levando em consideração que a experiência que o diretor havia tido era nos estúdios da Rede Globo, no tempo que auxiliava Jayme Monjardim em telenovelas. TEUS OLHOS MEUS surgiu da necessidade de criar algo seu, algo próprio. Nem que essa criação tivesse que nascer da forma mais barata possível e com a ajuda e a gentileza dos amigos.
+ DOIS FILMES
A VIDA SÃO DOIS DIAS
Uma das coisas admiráveis em Leonardo Mouramateus é que neste seu segundo longa-metragem ele não muda tanto assim, no que se refere à experimentação comumente adotada em seus curtas. Em A VIDA SÃO DOIS DIAS (2022), há uma história um pouco mais linear sobre um rapaz português que vem ao Brasil para uma coletiva de imprensa sobre um livro escrito pelo irmão gêmeo. Mais do que a história, o que conta é a ambientação que o diretor cria nessa sua comédia sobre criatividade, que talvez seja um meio de imprimir mais leveza para o modo como o público vê os seus filmes. Em vez de herméticos, eles podem ser vistos como divertidos. No caso deste filme, senti um problema de ritmo nos dois últimos capítulos (são cinco, bem demarcados e nomeados). Mesmo assim, acho que vou ficar pensando sobre o filme por uns dois dias, pelo menos.
O CLUBE DOS ANJOS
Antes de mais nada, já chama a atenção o incrível elenco masculino (sim, pois praticamente o filme é um clube do Bolinha, mas isso tem tudo a ver com o espírito do próprio clube do título). Otávio Müller, Matheus Nachtergaele, Paulo Miklos, Marco Ricca, Augusto Madeira e André Abujamra já são nomes que justificam a espiada neste que parece ser o nosso A COMILANÇA (quem nunca viu o filme de Marco Ferreri?). Depois, há o aspecto mais sombrio da trama, envolvendo um cozinheiro enigmático (Nachtergaele) que começa a fazer refeições divinas para o clube dos 7 e, aos poucos, um por um, eles vão morrendo após o jantar do mês. Baseado em obra de Luís Fernando Veríssimo, O CLUBE DOS ANJOS, de Angelo Defanti, ganha contornos de filme de horror perto de seu final, embora eu veja o final como um dos pontos menos interessantes da história. Sobre esse aspecto de horror enfatizado por fotografia, iluminação, maquiagem, é sensacional uma cena em que Miklos aparece com uma expressão cadavérica. Um desses filmes que pouca gente sabe da existência, mas que faria muito sucesso se passasse na televisão aberta, por exemplo.
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