sábado, setembro 24, 2022

RODRIGO AMARANTE NO THEATRO JOSÉ DE ALENCAR – 23 DE SETEMBRO DE 2022



Que bom que as coisas estão começando a voltar ao normal no que se refere a espetáculos com grande público. Não havia ainda voltado para os shows, até porque eu ando meio preguiçoso para algo do tipo, e eu já estava indo a apresentações musicais apenas de artistas de que gosto muito. Foi o caso do show da Marisa Monte no final de janeiro de 2020, pouco tempo antes de o mundo virar de ponta cabeça com a pandemia. O meu interesse em conferir um show solo de Rodrigo Amarante já remonta há algum tempo e eu me arrependo de não ter ido a seu show da turnê do Cavalo (2013) no Órbita, casa de festas que nem existe mais.

O espaço escolhido em Fortaleza para esta nova turnê foi um bocado mais chique, o nosso querido Theatro José de Alencar, que talvez até esteja precisando passar por novas reformas, mas que continua lindo, sim. O trabalho solo de Amarante é muito particular. Quando ouvimos o disco 4 do Los Hermanos, já percebemos que o caminho que ele e Marcelo Camelo adotavam já estava passando por uma transformação. Mas eu diria que Amarante seguiu por um caminho até mais arriscado, optando por canções não muito fáceis e que precisam de tempo para a real percepção. Pelo menos comigo, Cavalo foi um disco que eu só percebi o quão bom era depois de alguns anos de maturação.

Com apenas dois álbuns na carreira, o cantor e compositor opta por evitar falar de sua banda pregressa, embora muito de quem ele foi esteja fortemente presente. O próprio baterista Rodrigo Barba, fiel companheiro de banda, esteve com ele nessa turnê breve que passou por poucas cidades do Brasil e que encerrou em Fortaleza, lugar onde Amarante morou durante a adolescência. O cantor se mostrou particularmente feliz durante toda a apresentação e brincou bastante com as demonstrações de afeto do público, que o chamava de lindo, maravilhoso, poeta, gênio. Uma alegria, claro, para quem passou tanto tempo isolado e que só mais recentemente está podendo sentir o calor do público.

O espetáculo começa com a faixa experimental “Drama” tocando enquanto as luzes estão apagadas. Como é uma faixa com efeitos, ela serve para dar o tom da apresentação. O fato de o nome de seu novo disco ser Drama (2021) tem tudo a ver com teatro. Portanto, nada mais justo de utilizar esse tipo de espaço para a apresentação. A primeira música tocada pelo artista (que traz consigo um violão quase mágico) é “Maré”, que privilegia a riqueza percussiva. É a canção que traz a máxima “Sorte é não querer mais que viver”. Em seguida, é a vez de “Tango”, faixa em inglês, seguida de “Tanto”, que na versão original traz arranjos de metais, que não puderam ser trazidos para o show.

A alegria veio maior para mim com uma canção de Cavalo, a faixa de abertura “Nada em Vão”, que me faz lembrar muito a poesia simbolista pelo bom uso das consoantes e da escolha das palavras (“Qual razão / É medir o imenso da sede / Se cede o senso / À sensação”). Além do mais, é sensacional o arranjo que valoriza cada instrumento. Enfim, só ouvindo mesmo para perceber. Em seguida, mais duas em língua estrangeira, mais uma do novo disco, até chegar a belíssima “O Cometa”, que foi meio que um convite para a plateia cantar junto.

Após a lindíssima bossa nova “Tara”, os arranjos iniciais de “Tuyo”, a canção-tema da série NARCOS, com uma clara influência da música dos nossos países hermanos, trouxe alegria para a plateia. Como se trata de uma canção bastante famosa, justamente por causa da série, ela talvez já tenha chegado ao inconsciente coletivo. Mas nada me prepararia para “Irene”. Trata-se de uma canção que parece ter nascido da dor. Começa com os versos viscerais “Saudade eu te matei de fome / E tarde eu te enterrei com a mágoa”. Essa canção foi tocada apenas por Amarante, seu violão e o público, que cantou em uníssono, de maneira muito respeitosa. Foi o ponto alto do show pra mim, sem dúvida.

As canções que encerrariam a noite, “Evaporar” (do Little Joy), “Tardei” (que parece música de western spaghetti), mais duas do novo disco, sendo “Tao” uma excelente faixa para apresentar os músicos com um ótimo riff, e “Maná”, que balançou a plateia com sua alegria contagiante e uma explosão de baixo, bateria e percussão. Após “The End”, a volta para o bis já era esperada. Ele volta sozinho, com o violão, para dar aquele presentinho para os velhos fãs, cantando “O Vento”, batendo aquela saudade dos shows catárticos da ex-banda. A canção é mais uma do repertório do autor que trata de reencarnação e karma. Para fechar com alegria, mas com aquele gostinho de “quero mais”, uma canção da Orquestra Imperial.

Deixo meus agradecimentos ao cantor e espero que ele volte mais vezes. Um show como esses é muito importante que seja prestigiado e valorizado, seja pela alegria e pelo aspecto diferente que traz, seja por ser uma oportunidade rara. 

Agradecimentos também à minha irmã Adaila, que esteve comigo no show. Ela, que aprendeu a conhecer e a amar Los Hermanos simultaneamente comigo, a cada disco novo da banda que eu trazia pra casa e a gente fazia aquela audição inicial, acompanhando as letras no encarte. 

Setlist

Drama
Maré
Tango
Tanto
Mon Nom
I Can’t Wait
Eu com Você
O Cometa
Tara
Tuyo
Irene
Evaporar (Little Joy)
Tardei
Um Milhão
Tao
Maná
The End

Bis
O Vento (Los Hermanos)
Pode Ser (Orquestra Imperial)

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