domingo, agosto 07, 2022

O INCRÍVEL HOMEM QUE ENCOLHEU (The Incredible Shrinking Man)



É impressão minha ou o gênero ficção científica sofre ainda mais preconceito por parte da cinefilia e do meio mais prestigiado da mídia do que o gênero horror? Confesso que eu mesmo não dava muita bola para o gênero, apesar de sempre responder quando me perguntavam qual o meu filme favorito com 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO. Mas aí estamos falando de uma obra-prima dirigida por um gênio, uma produção classe A requintada. Antes da obra de Kubrick, a maior parte das produções sci-fi eram filmes B produzidos na década de 1950 com o intuito maior de serem diversões escapistas, embora todas fossem reflexo do medo da bomba atômica durante a primeira fase da Guerra Fria. E há o caso de uma produção cara, como O PLANETA PROIBIDO, de Fred M. Wilcox, que hoje é visto como camp ou inferior por muitos.

Recentemente, ao adquirir alguns volumes da coleção Clássicos Sci-Fi, da Versátil Home Video, fui dando atenção maior a algumas dessas obras, principalmente as que não são assinadas por autores consagrados. E muitas delas são não apenas deliciosas de ver, mas muito inventivas e ricas em significado. O INCRÍVEL HOMEM QUE ENCOLHEU (1957), de Jack Arnold, está entre os melhores exemplares. Na trama, não há disco voador nem milagre da ciência ou robôs fantásticos e alienígenas, coisas que se costuma esperar do gênero. Mas temos algo que é bastante comum no ciclo de produções sci-fi da década de 1950, que é a interferência da radioatividade para a destruição da vida humana.

No caso, o herói do filme, Scott Carey (Grant Williams), está descansando em um barco com sua esposa Louise (Randy Stuart), quando uma nuvem misteriosa passa por ele. Dentro de poucos dias, ele começa a perceber que está ficando menor a cada dia. Primeiramente ele percebe nas roupas, que começam a parecer mais largas, e depois na altura, quando ele se percebe de estatura mais baixa que a esposa. Os médicos não conseguem entender o que está acontecendo com aquele homem, apenar percebem que, de fato, ele está encolhendo.

Interessante que eu jurava que já tinha visto este filme. Talvez algumas imagens tenham sido vistas por mim de alguma maneira ou talvez seja um exemplo do poder do inconsciente coletivo. O fato é que até um dia desses O INCRÍVEL HOMEM QUE ENCOLHEU era inédito para mim em sua versão integral. O curioso desta produção de Arnold é que ele vinha de dois westerns, gênero não muito associado ao diretor atualmente. O que marcou mesmo foi sua incursão na ficção científica e o quanto ele elevou o gênero naquele período, com este filme e com o ótimo A AMEAÇA QUE VEIO DO ESPAÇO (1953).

O impressionante desta história sobre um homem que fica menor a cada dia é como a trama é criativa em colocá-lo em situações distintas e em nos deixar admirados com os efeitos visuais inventivos. Há as cenas envolvendo os móveis na casa, a cena em que ele sai e conversa com anões de circo, a cena do gato e as ainda mais dramáticas cenas no porão, quando o filme nos leva para a solidão imensa do herói, agora tido como morto pelo gato de sua casa e tendo que enfrentar aranhas e ameaças daquele novo mundo.

E se no filme de 1953 Arnold tinha a história de Ray Bradbury, neste ele tem Richard Matheson no roteiro. Dois gênios da literatura sci-fi juntos na década mais importante para o gênero no cinema. Além de tudo, há a questão envolvendo o sentimento de extrema vulnerabilidade e de impotência do personagem (inclusive no primeiro terço), que faz com que ele ganhe contornos psicológicos mais profundos. E o que é aquele desfecho emocionante e trazendo uma espécie de esperança que não parece coincidir com o gosto amargo que sentimos, próximo de uma profunda indignação pelo destino do herói?

Filme visto no box Clássicos Sci-Fi - Anos 50 (volume 1), que conta com quase uma hora de extras sobre a produção, incluindo uma gostosa conversa com Joe Dante.

+ DOIS FILMES

O MOINHO DAS MULHERES DE PEDRA (Il Mulino delle Donne di Pietra)

Eis um dos filmes que representa um momento definitivo para o horror italiano, tendo estreado próximo do lançamento de A MALDIÇÃO DO DEMÔNIO, de Mario Bava. Há quem diga que o clássico de Bava eclipsou este trabalho de Giorgio Ferroni, mas acho que foi mesmo o brilho de Bava e sua excelência no que fez durante toda sua carreira o "culpado". Ainda assim, O MOINHO DAS MULHERES DE PEDRA (1960) merece ser mais conhecido, por mais que eu ache a primeira metade do filme um pouco travada na situação envolvendo o jovem estudante (Pierre Brice) e a filha de um homem que ganha dinheiro exibindo bizarras estátuas de mulheres em cenários de morte. Acho que o filme demora um bocado a dizer o que está de fato se passando no castelo do velho, que parece bastante com o Dr. Mabuse de Fritz Lang - imagino que a referência tenha sido justamente essa. Aliás, vejo a figura desse homem meio louco (Wolfgang Preiss) como um dos pontos altos do filme. As cenas das transfusões de sangue, imagino que podem ter causado certo desconforto para as plateias da época. Filme presente no box Obras-Primas do Terror - Gótico Italiano.

CARRO REI

O longa-metragem anterior de Renata Pinheiro, AÇÚCAR (2017), usa os elementos do cinema de gênero (no caso, o horror) de maneira muito feliz. Senti o domínio da diretora na construção de uma atmosfera de medo e mistério, e o filme ainda consegue trazer uma crítica social muito eficiente. Em CARRO REI (2021), o brainstorming dos três roteiristas, que inclui também Pinheiro, aposta numa sci-fi distópica sobre garoto que tem a habilidade de falar com carros. O roteiro um tanto furado não seria problema se o filme fosse suficientemente bom na direção. O simbolismo com o Brasil do bolsonarismo que sequestrou os símbolos patrióticos e conquistou seu legado com robôs, em vez de tornar o filme urgente ou politicamente atraente, acaba desanimando. Além do mais, sente-se uma dúvida sobre como deveria ser a performance de Matheus Nachtergaele no filme. E que coincidência ter outra obra sobre uma mulher que transa com um carro no mesmo ano de TITANE.

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