sábado, março 05, 2022

BATMAN (The Batman)



Diferente de O ESQUADRÃO SUICIDA, o filme de James Gunn que parece ter adotado o artigo definido no título como forma de dizer que aquele sim é o esquadrão que conta e de se desprender do filme anterior de David Ayer, que foi muito mal recebido por público e crítica, usar o artigo definido “the” antes do nome do herói em The Batman pode remeter à primeira aparição do Homem-Morcego na HQ Detective Comics #27 de maio de 1939, quando ele apareceu como “o Batman”. Faz muito sentido que o novo BATMAN (2022), de Matt Reeves, faça essa alusão não apenas às origens do personagem, mas também ao momento extremamente pesado que se acercava o mundo às vésperas da Segunda Guerra Mundial e à consequente febre dos chamados filmes noir, que invadiram Hollywood na década de 1940 e que é fonte bebida nesta nova obra. 

Além do mais, nada mais lógico que seja a Warner a companhia que comprou os direitos da DC Comics, a companhia que cresceu e se tornou famosa a partir do sucesso dos filmes de gângster dos anos 1930, muitos deles estrelados por gente como James Cagney, Edward G. Robinson e Humphrey Bogart. Além do mais, como um herói de natureza mais urbana e escura, e vivendo em uma cidade corrupta e cheia de criminosos, algumas das melhores histórias do vigilante encapuzado se passam dentro desse universo dos gângsteres. Eis que Matt Reeves, que já havia feito os dois melhores filmes da trilogia Planeta dos Macacos (2014, 2017), e, diga-se de passagem, filmes bastante sombrios, resolve abraçar ainda mais a penumbra nesta nova releitura de um dos super-heróis mais populares e queridos de todos os tempos.

E o que aconteceria se, além de utilizar todo esse background, Reeves ainda se inspirasse na excelente HQ Batman - Ano Um, de Frank Miller e David Mazzucchelli, e ousasse trazer o o luto prolongado de Bruce Wayne de forma ainda mais depressiva, a ponto, inclusive, de usar uma canção do Nirvana (“Something in the Way”) como principal tema? Logo o Nirvana, uma banda que ficou marcada pelo suicídio de seu líder, Kurt Cobain. E assim é o Bruce Wayne/Batman de Reeves, encarnado por um Robert Pattinson que nunca sorri.

Tudo isso pode até parecer um detalhe, mas não é. Trata-se do próprio espírito adotado pelo realizador para a construção de sua nova Gotham City e de sua nova versão do herói atormentado. Inclusive, há até uma licença poética de Reeves e do corroteirista Peter Craig no que se refere às origens de Martha Wayne e sua passagem por clínicas psiquiátricas. Ou seja, o novo BATMAN é definitivamente um filme sobre depressão, esquizofrenia e outros problemas mentais. Até acho que esse clima de depressão e de opressão chega a contaminar a audiência e faz com que BATMAN seja um filme que passe muito longe de ser um feel-good movie. E aprecio e admiro a coragem tanto do realizador quanto da própria Warner, por ter dado carta branca para Reeves fazer um filme que pode desagradar uma audiência que esteja muito acostumada a filmes de super-heróis bastante divertidos e movimentados.

Sim, há a questão do andamento narrativo lento e da duração longa. Além de ser um filme que lembra mais as produções da Nova Hollywood dos anos 1970 em certos aspectos, BATMAN, se não fosse um PG-13 (classificação 14 anos no Brasil), seria ainda mais pesado e gráfico na violência. Como não pode ser muito gráfico, essa violência e esse clima denso fica no ar de maneira mais enviesada, mas nem por isso menos eficiente e incômoda.

Do ponto de vista da produção, Matt Reeves faz um trabalho quase artesanal em sua visão de uma Gotham City ainda mais suja, corrupta e deprimente do que já havíamos visto em quaisquer outros filmes do super-herói vigilante (até a fotografia adota esse tom sujo). E há escolhas muito bem feitas, como o detalhe da tinta preta sobre os olhos de Wayne de modo a tornar sua persona mascarada mais opressora para os bandidos. A utilização de uma voice-over que remete ao filme noir clássico também é acertada, até por não ser usada em demasia. Funciona mais para acentuar o tom triste de Batman/Wayne e o fato de que sua única razão para viver é vingar-se de criminosos, como aqueles responsáveis pela morte de seus pais.

Mas eis que o filme traz até uma problematização muito interessante para essa questão. E isso vem do principal vilão, o Charada (Paul Dano). Ele, que também é órfão, mas pobre, passa na cara de Wayne/Batman o fato de que o herói, por ser milionário, não sofreu tanto quanto aqueles órfãos desamparados que vivem em situação sub-humana, e que muito disso é responsabilidade do governo e da sociedade. Ou seja, temos um vilão que, por mais louco e malvado que seja (às vezes lembra o Jigsaw da franquia Jogos Mortais), é um vilão que tem consciência de classe e uma vontade compreensível de se vingar dessa sociedade que feriu a si e a muitos. E falando em uma cena específica, que baita cena aquela em que Dano, agora sem sua máscara de terrorista, fala repetidamente “Bruce Wayne” em conversa com Batman. Eis um exemplo de cena em tom over que é ótima justamente pelo tom, mas também, claro, pela excelente performance de Dano.

E há outros dois super-vilões clássicos do Batman presentes no filme. Colin Farrell está soterrado de maquiagem e irreconhecível como o Pinguim, um gângster clássico e que tem a intenção de comandar o crime organizado da cidade. E há Selina, a Mulher-Gato, vivida com beleza e naturalidade por Zoë Kravitz. Ela, além de tudo, é também o mais próximo de um interesse amoroso de Batman, por mais que o aspecto sempre depressivo do herói o deixe para baixo para se animar para relações amorosas – para tristeza de Alfred (Andy Serkis), que vê no suposto interesse de Wayne por Selina um bom sinal. Talvez o momento mais animador do casal seja na cena em que Batman consegue ver pelos olhos de Selina, através de uma câmera instalada em lentes de contato nos olhos dela. Os dois trabalham juntos para encontrar uma amiga (e também amante?) de Selina, raptada pela máfia.

Diria que BATMAN é um filme que cresce com o passar do tempo na memória afetiva, cresce ao pensarmos nele como obra cheia de coragem para abraçar o novo. Ao mesmo tempo, em um instante em que o mundo vive sob ameaça de uma nova guerra mundial, essa revisitação do clima pesado dos anos 1940 pode ser um sinal de que há um artista – e os artistas costumam funcionar como antenas – percebendo, ainda que inconscientemente, que há algo diferente no ar.

+ DOIS FILMES

OS MORTOS ESTÃO VIVOS! (L'Etrusco Uccide Ancora)

Confesso que meu interesse por este OS MORTOS ESTÃO VIVOS! (1972), de Armando Crispino, assim que peguei o box Giallo Vol. 11 se deu pela possibilidade de se tratar de um giallo com elementos sobrenaturais, talvez até mesmo com mortos-vivos, como dá a entender o cartaz americano, que parece que queria mesmo vender gato por lebre em sessões duplas que apresentavam filmes menores como este com outros um pouco mais conhecidos ou melhor produzidos. Ainda assim, por mais que eu tenha retomado a apreciação após meia hora, já que estava achando a trama meio confusa, gostei na retomada. Trata-se de um dos poucos gialli que vi em que a maior parte da trama se passa durante o dia. Há uma valorização da luz natural e da geografia do lugar (pequenas cidades italianas foram usadas como locação). Mas é sim um autêntico giallo, com assassino misterioso, novas vítimas surgindo ao longo da trama e aquela coisa de tentarmos adivinhar o responsável pelas mortes (eu adivinhei rapidinho). Das boas cenas, a que mais me agradou, e que achei brilhantemente dirigida, foi a da perseguição de carros em ruas muito estreitas. O detalhe é que o carro do protagonista (o americano Alex Cord) é um fusquinha todo batido, sujo e velho. Quanto à trama, ela segue a tradição de apresentar assassinos com complexos de Édipo. E do ponto de vista da exploração sexual, há apenas uma cena de nudez, com uma loira belíssima, Christiane Von Blank, que apareceria em um filme de Jesús Franco no ano seguinte.

CRIATURAS DA NOITE (Don't Be Afraid of the Dark)

Antes de falar um pouco de CRIATURAS DA NOITE (1973), de John Newland, quero deixar registrada a ótima qualidade de imagem deste telefilme na cópia da Versátil. Está tão boa a restauração que não parece nem filme para televisão antigo e as cores estão tão vivas que nem parece DVD. No mais, trata-se de um pequeno clássico que até já teve uma refilmagem em 2010 estrelada por Katie Holmes, que aqui ganhou o título de NÃO TENHA MEDO DO ESCURO. Este horror dos anos 1970 é mais arriscado ao mostrar as criaturas que atormentam e matam os moradores da casa, já que os efeitos técnicos do filme não são tão bons. Mas a atmosfera é tão bem administrada que isso pode ser relevado. Na trama, um casal compra uma casa velha, faz a reforma, mas depois eles veem que ali moram criaturas pequenas e muito perigosas, que passam a atormentar a mulher - é clichê sempre ter alguém que sofre e outras pessoas que não acreditam nela, mas é um clichê que até hoje é usado e funciona bem. Filme presente no box Obras-Primas do Terror 16.

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