segunda-feira, janeiro 10, 2022

RODA DO DESTINO (Gûzen to Sôzô)



Ryûsuke Hamaguchi é o cineasta que mais chamou a atenção entre críticos e cinéfilos nesse ano de 2021. Seus premiados filmes RODA DO DESTINO (2021), Urso de Prata em Berlim, e DRIVE MY CAR (2021), melhor roteiro em Cannes, apareceram em diversas listas de melhores do ano em veículos prestigiados da imprensa e da crítica de cinema. E, curiosamente, DRIVE MY CAR, presente na shortlist do Oscar de filme internacional e vencedor do Globo de Ouro de filme estrangeiro, até agora não tem (que eu saiba) distribuidor no Brasil.

Acredita-se que o problema tenha a ver com sua duração (três horas), mas ao que parece o preço do filme também tem sido um empecilho. E é interessante notar que Hamaguchi não tem muito interesse em lidar com essa coisa mais comercial da duração. Depois de três documentários em 2013, ele voltou para a ficção com um filme de cinco horas chamado HAPPY HOUR (2015), bem pouco comercial. Além do mais, ele tem um interesse por histórias pequenas também: depois de HAPPY HOUR, seu filme seguinte foi um curta: HEAVEN IS STILL FAR AWAY (2016). E curtas também não são tão vendáveis. 

Ou seja, parece quase um exercício de desinteresse pela distribuição comercial de seus filmes, ou uma vontade de ser um cineasta marginal. De todo modo, RODA DO DESTINO não deixa de ser uma tentativa de apresentar seus curtas em um formato possível para o mercado. Mas o sucesso poderia não ocorrer se ele tivesse insistido em fazer uma obra de sete histórias e não de apenas três, aumentando, assim, a duração. De todo modo, isso é um bom sinal: sinal de que em breve poderemos ver mais um filme em segmentos como este.

Acho que o que mais me pegou em RODA DO DESTINO foi a sempre difícil pergunta que até hoje me aflige e que eu já levei para o divã tantas vezes: “e se você tivesse feito uma escolha diferente?” O filme traz três diferentes histórias em que esse tipo de questionamento surge de uma forma ou de outra, conectando fracasso amoroso, solidão e arrependimento.

Na primeira história, “Magia (ou Algo Menos Seguro)”, acompanhamos a conversa de duas amigas sobre o encontro mágico que uma delas teve com um rapaz. A moça parecia estar apaixonada e as duas trocam confissões, vez ou outra, sobre transar ou não no primeiro encontro. Depois descobrimos que o tal rapaz é ex-namorado da mais jovem e entra em cena um sentimento também confuso ao do arrependimento: a dúvida sobre o amor. Teria ela ido procurar o rapaz novamente simplesmente por que ela sentiu ciúmes e não queria perdê-lo? Não que isso seja o ponto central da história, mas me veio à mente. Há algo de Hong Sang-soo no momento em que a garota precisa escolher entre estragar o namoro da amiga ou deixar o rapaz escolher quem ele quiser com calma. O próprio Hamaguchi já havia demonstrado o gosto por situações duplas no ótimo ASAKO I & II (2018).

A segunda história, “Porta Bem Aberta”, é a minha favorita das três. É a mais cortante. Na trama, jovem pede a sua amante que vingue o seu ex-professor que o humilhou no passado. O professor agora é um homem famoso pelo sucesso de um romance recém-publicado. A mulher chega até o gabinete do professor, que prefere que sua porta esteja sempre aberta, por temor de ser mal compreendido em uma situação complicada com estudantes, e procura seduzi-lo. O momento da leitura do trecho erótico do romance é o melhor do filme, certamente, e um dos melhores do ano. Este segmento é o mais longo do filme, mas nem parece, já que toda a tensão da cena da leitura é bem empolgante, assim como a conversa dos dois após a leitura. Destaque para a excelente interpretação de Mori Katsuki, uma atriz de poucos filmes.

A terceira história, “Mais uma Vez”, talvez seja a que tocará um número maior de espectadores, que se identificarão com o arrependimento pelo não-dito, e o quanto isso pode tornar a vida de uma pessoa infeliz. Na trama, duas mulheres se encontram em uma escada rolante. Aparentemente elas são velhas conhecidas dos tempos de escola que não se viam há vinte anos. Há um plot twist que funciona tanto como surpresa quanto como elemento para construção de um momento de beleza e de ternura entre as duas.

A vontade de ver mais Hamaguchi é inevitável.

+ DOIS FILMES

O HOMEM IDEAL ((Ich Bin Dein Mensch)

Um filme que traz uma proposta que vai além de discutir as possibilidades de haver alma para inteligências artificiais avançadas, como em BLADE RUNNER - O CAÇADOR DE ANDRÓIDES e A.I. – INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. A diretora Maria Schrader usa o tema para lidar com a questão da solidão nestes tempos de discussão sobre algoritmos. Interessante como algumas coisas me incomodaram, como o fato de o androide não ter uma função outra que não fosse satisfazer como um escravo todas as vontades de sua dona e não ter direito a ter nem mesmo uma carteira de identidade ou um dinheiro no bolso para qualquer coisa. Mas talvez me fazer pensar nisso seja parte da força de O HOMEM IDEAL (2021), que trata, de modo inconsciente ou não, de um fetiche, por mais que estejamos diante de uma obra com uma disposição muito maior para falar de amor e discutir sentimentos. Achei a atriz que ganhou o Urso de Prata, Maren Eggert, muito boa.

ATAQUE DOS CÃES (The Power of the Dog)

Tive que ver duas vezes. Da primeira vez, à noite, minha alergia me deixou embriagado de sono e fiquei lutando para ver ATAQUE DOS CÃES (2021), de Jane Campion, até o final e nem é preciso dizer que não é possível nem entender direito desse jeito. A revisão acabou por ser útil também para observar certos detalhes que aparecem logo nos primeiros 20 minutos. Detalhes como a flor de papel, a menção ao piano, o banho, as repetidas citações ao amigo falecido Bronco Henry, a toalha e a fala inicial de Pete sobre a importância de cuidar da mãe. Ou seja, trata-se de um filme muito bem pensado no roteiro, embora seja também caprichado na câmera, na preferência pouco usual por cenas demasiado escuras nos interiores, na divisão por capítulos (desnecessária talvez?). E é um filme também bem preocupado em lidar com os aspectos psicológicos de seu quarteto principal de personagens, o misógino Phil (Cumberbatch), a viúva solitária e alcoólatra Rose (Dunst), o irmão disposto a se desfazer da imagem grosseira do macho vaqueiro George (Plemons) e o rapaz delicado estudante de medicina Peter (Smit-McPhee). Os quatro têm seus problemas, que se apresentam nas sombras, ocultos. Lá pelo meio do filme é que ficamos sabendo sobre o que é ATAQUE DOS CÃES e é curioso como o cinema recente vem tratando da temática da homossexualidade dentro de um espaço-tempo tão opressor como o "velho oeste" (embora aqui não seja assim tão velho, pois se passa já nos anos 1920). Foi assim com FIRST COW, foi assim com UM FASCINANTE NOVO MUNDO. O primeiro abordando a relação homoafetiva masculina; o segundo, a feminina. A diferença é que parece ser mais tabu abordar essa relação masculina, por causa do ambiente mais machista e mais rude. Esse tipo de tema e de abordagem é bem-vindo nesses tempos de obscurantismo.

Agradecimentos à Paula pela companhia durante as sessões.

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