quarta-feira, dezembro 01, 2021

THE BEATLES - GET BACK



Quando falo de alguma coisa que me é muito cara desde muito tempo, tenho por vontade trazer lembranças que julgo importantes. No caso dos Beatles, ainda hoje, quando vejo pessoas que desconhecem a filmografia dos rapazes de Liverpool e dizem só gostar um pouco de uma ou outra canção, eu digo: procure os álbuns; vai fazer todo o sentido o título que eles carregam de maior banda de rock de todos os tempos. No meu caso, desde criança eu ouvia no rádio algumas canções e já gostava, mas foi conhecendo os álbuns que eu percebi a grandeza e o motivo de John, Paul, George e Ringo terem se tornado figuras mitológicas.

No início dos anos 1990, eu adquiri o meu primeiro CD player e um amigo que tinha um monte de coisas legais em CD me emprestou os discos dos Beatles. Eu ia aproveitar para gravar os álbuns em fitinhas K7. Como eu gostava muito de ouvir as músicas acompanhando as letras, pedi para ele que trouxesse os discos que tivessem as letras nos encartes. Os únicos que contam com elas são o Sg. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) e o “Álbum Branco” (1968). Ou seja, já comecei logo com a banda no auge criativo para, só depois ir estudando os discos iniciais e os posteriores.

Com o tempo, filmes de ficção, livros, revistas, quadrinhos, documentários, reedições dos próprios discos, um show histórico do Paul McCartney revisitando clássicos da banda que tive a alegria de ver, tudo isso nunca parou de chegar. Mesmo assim, se alguém disser que THE BEATLES – GET BACK (2021), o documentário em três partes montado por Peter Jackson não tem esse valor todo certamente ela desconhece a banda. Na verdade, o valor desse material, e especialmente a forma como ele foi agora apresentado é tão grande que chega a modificar a história até então contada e toda até então como oficial. Ou seja, quando o diretor Michael Lindsay-Hogg lançou o seu LET IT BE nos cinemas em 1970, sua intenção era registrar o fim de uma banda, enfatizando os momentos de tensão e briga.

Eis que Peter Jackson, ao pegar as mais de 50 horas de filme e as mais de 150 horas de áudio disponíveis durante o projeto de gravação deste “reality show”, acabou por descobrir que a coisa não foi bem assim. Ao contrário: havia muito mais momentos de harmonia entre eles. Paul estava um pouco mandão, mas porque queria muito que aquele projeto desse certo e estava preocupado ao ver os demais um pouco anestesiados.

George é que tinha, sim, um problema acumulado com Paul e John, já que ele estava em seu auge criativo e não estava encontrando espaço para suas canções na banda. Tanto que ele é o único que fala no documentário que já está preparado para gravar o seu primeiro álbum solo. E é verdade que o clima de futuro divórcio estava no ar, mas isso já vinha ocorrendo pelo menos desde as gravações do Álbum Branco. No entanto, nas gravações na frente das câmeras durante o mês de já rito de 1969 do álbum Let It Be (1970), o que mais vi foi alegria, especialmente da parte de John. Um tipo de alegria que aquece o coração. 

E o que dizer da conversa que Paul tem com John sobre a saída de George e de como eles reconhecem que foram os maiores culpados? Nem Paul nem John pareciam dispostos a entrar em qualquer briga nesse momento. Claro que a presença de Yoko Ono pode ter provocado alguma coisa não muito agradável, mas isso só pode ser visto (se visto) de maneira muito sutil. Paul comenta algo a respeito da presença dela no estúdio quando John não está e também sobre admitir que o fim iminente da banda poderia estar acontecendo por um motivo muito estúpido. De todo modo, esse momento da conversa dos dois, sem que eles soubessem que estavam sendo gravados, é mágico. É como se fôssemos uma mosca prestando atenção naquilo tudo. Melhor do que isso, só se Lindsay-Hogg e equipe fossem junto com os três à casa de George para testemunhar as tentativas de reconciliação.

Mas e a música? Puxa, a música é o que mais nos move, que mais arranca as mais diversas emoções. Poder ver os primeiros acordes de alguns clássicos nascendo é maravilhoso. É o caso de “Get back” nascendo na guitarra de Paul, enquanto os outros estão conversando. Também é lindo quando, depois de muito ensaio e muitos takes, eles conseguirem chegar a uma versão definitiva, e Peter Jackson informa “esta versão entrou no álbum Let It Be. Lindo demais. Uma beleza também poder entender o processo criativo deles.

Também podemos ver uma alegria contagiante no momento que o tecladista Billy Preston aparece no estúdio da Apple para dizer um oi aos rapazes e é convidado para ficar com eles, gravar com eles o disco, já que eles estavam mesmo precisando de um tecladista. E a presença de Preston ajuda e muito a trazer uma nova química para a banda. Sem falar que o sorriso dele é muito bonito, bem como sua alegria de estar ali. Outras visitas muito especiais são Linda Eastman e sua filhinha Heather.

Além do mais, pela primeira vez, temos a oportunidade de ver o show completo no telhado da Apple, que causou sentimentos conflitantes em mim. Me sentia feliz em estar vendo (e ouvindo) tudo aquilo, mas também queria muito que aquele espetáculo breve durasse mais, talvez por saber que se tratava da última apresentação ao vivo da banda.

Mesmo assim me sinto muito grato. Grato a Michael Lindsay-Hogg por ter filmado tudo aquilo, mas principalmente grato a John, Paul, George e Ringo pelas canções que eles fizeram nascer e que ficarão para sempre. Ou pelo menos enquanto durar a vida neste planeta.

+ DOIS DOCUMENTÁRIOS

BOSCO

Filme encantador em muitos sentidos este BOSCO (2020), de Alicia Cano Menoni. Tanto no modo carinhoso com que a diretora olha para seu avô, quanto no cuidado que ela tem com as pessoas entrevistadas na pequena cidade italiana de Bosco, um lugar com apenas 13 habitantes, apresentados de maneira espirituosa e com um rigor formal muito interessante para um documentário. Só senti falta de um pouco mais de foco - ou então não entendi muito bem os motivos das idas e vindas da Itália para o Uruguai que ela faz de vez em quando. A opção por dar mais atenção a duas mulheres da cidade de Bosco foi acertada, pois acredito que sejam de fato personagens interessantes, principalmente a pastora de ovelhas. Há também momentos bem bonitos de contemplação da natureza que trazem quietude para o espírito.

5 CASAS

Senti um pouco de dificuldade de me conectar com este documentário muito pessoal dirigido por Bruno Gularte Barreto, o mesmo cineasta do belo curta LINDA, UMA HISTÓRIA HORRÍVEL (2013), adaptação do conto maravilhoso de Caio Fernando Abreu. Aqui Barreto procura contar uma história (ou várias histórias) a partir de caixas de fotos que ele encontra, e também a partir do luto que ainda sente pela partida da mãe. Com isso, ele entrevista, de maneira bem diversa, do ponto de vista formal, diferentes pessoas que tiveram relação com ele no passado, especialmente quando criança, ou conheceram intimamente sua mãe. Me pareceu uma busca às vezes confusa, não sei se de maneira deliberada, pelas próprias origens do realizador. Gostando ou não, uma coisa fica clara: o cineasta tem um olho muito bom para a construção de belas imagens. Só queria ter me conectado mais.

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