quarta-feira, dezembro 29, 2021

MATRIX RESURRECTIONS (The Matrix Resurrections)



Não lembro qual filme recente me deu tanto trabalho para pensar sobre ele e escrever algo. Mas talvez seja a quantidade de dúvidas que ficaram em minha mente quando vi MATRIX RESURRECTIONS (2021), desta vez dirigido apenas por Lana Wachowski. Mas a principal dúvida surgiu logo quando saí da sessão: por que fizeram esta sequência? Qual a necessidade? Sei que esse tipo de pergunta em relação a um filme, essa coisa de dizer que tal obra é desnecessária pode soar ofensiva, mas a própria diretora parece querer responder a essa pergunta ao final de seu filme, o que significa que ela também tinha essa dúvida. Há um diálogo presente no epílogo que tenta justificar a razão de existir do filme, feito com gosto de nostalgia.

O tom de autoindulgência fica no ar e fiquei me perguntando depois se não seria melhor se a Warner oferecesse o filme para que fosse pensado e dirigido por outro realizador, com interesse em fazer algo completamente diferente, e não uma espécie de reboot – é o que dá a impressão durante os primeiros 30 minutos iniciais, com tantas coisas se repetindo como no filme original. Lembremos que neste ano tivemos uma diretora nova assumindo uma continuação ou reinvenção para A LENDA DE CANDYMAN, e ela se saiu muito bem. Às vezes é questão de sorte. Sorte e talento.

E é curioso como o ótimo ator que fez o Candyman, Yahya Abdul-Mateen II, seja um dos pontos fracos deste quarto Matrix, ao reinterpretar o papel que fora de Laurence Fishburne, que declinou o retorno como
Morpheus, talvez pelo peso da idade. A questão da idade, inclusive, não é apenas um detalhe em MATRIX RESURRECTIONS. A própria diretora coloca imagens do filme original para destacar as diferenças físicas de Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss, por mais que ambos estejam muito bem depois de passarem dos 50.

Quem não está tão bem e envelheceu ou morreu foram os sobreviventes da resistência de Zion. A personagem de Jada Pinkett Smith, Niobe, aparece como líder do grupo após um intervalo de 60 anos, com um bocado de maquiagem para transformá-la numa anciã. Fiquei também me perguntando dessa escolha de terem feito esse intervalo de tempo tão grande, enquanto a nova Matrix apresentada, mais brilhante e colorida e menos verde e fria que a dos filmes anteriores, se passa em 2020 – destaque para uma cena em que pessoas dentro de vagões de trem usam máscaras.

De todo modo, apreciei a nova perspectiva, da memória como ficção. Como sou apegado a questões envolvendo memória, esse talvez tenha sido o aspecto do filme que mais me pegou, e não a questão romântica entre Neo e Trinity, que poderia ter rendido algo mais bonito, mais digno dos deuses mitológicos que eles se transformaram ao longo dos tempos. Também gosto dessa contaminação maior entre humanos e seres artificiais coexistindo nos dois mundos. Pareceu-me uma evolução do que já vinha sendo mostrado nos filmes 2 e 3.

Uma coisa, porém, que me frustrou foi a coreografia das lutas. Pareceu-me pouco digno de quem tem um Chad Stahelski ali presente, inclusive no elenco. Além do mais, deu saudade do Hugo Weaving. Percebemos agora o quão bom ele é como o Agente Smith, o vilão mais ameaçador da franquia. Sua voz dizendo "Mr. Anderson" segue ecoando forte em nossa memória. 

+ OS TRÊS FILMES ORIGINAIS REVISTOS

MATRIX (The Matrix)

É interessante rever MATRIX (1999) neste espaço de 22 anos de distância. Pode-se dizer que envelheceu bem e que talvez esteja até mais charmoso, embora ver o Keanu Reeves pré-John Wick tenha me feito vê-lo como uma pessoa mais frágil. De todo modo, isso combina com o processo de dúvida do personagem, em sua trajetória de ser ou não ser o escolhido. Não falta a figura do Judas, mas há também a figura do amor restaurador, representado por Carrie-Anne Moss, tão bela em seu visual andrógino e funcionando como uma espécie de espelho para Neo. É interessante também perceber o quanto o filme é tão mais pausado e lento, se compararmos com o padrão dos filmes de super-heróis de hoje. Havia a necessidade de deixar bem clara a teoria da matrix; e, se hoje essas ideias não chegam a ser mais tão empolgantes quanto na época, é porque estamos diante de um clássico, que já foi tantas vezes imitado e satirizado.

MATRIX RELOADED (The Matrix Reloaded)

A minha lembrança de ter visto MATRIX RELOADED (2003) no cinema há 18 anos foi de muito entusiasmo, mas também de muita confusão. Saí do cinema com um pouco de dor de cabeça, tentando entender a trama intrincada. É como se as cenas de ação fossem uma maneira de atrair o grande público que não estivesse muito interessado em filosofar sobre destino, escolhas etc. ou lidar com a trama de ficção científica sobre programas de computador escondidos em lugares secretos. Há a memorável cena do beijo de Neo com Persephone (linda participação especial de Monica Bellucci); o papo funde-cuca com o Arquiteto; o Agente Smith se firmando como o grande vilão do ponto de vista mais físico - e dessa vez multiplicado em vários; a longa cena de ação na rodovia. Por outro lado, é como se o filme fosse um trem desgovernado sem ter muita ordem. Talvez as diretoras quisessem mexer, um pouquinho apenas, com a estrutura mais padrão das narrativas, mas não creio que tenha sido o caso. Na verdade, há a dificuldade de lidar com a expansão da mitologia de Matrix - tiveram que fazer pequenos filmes em animação (ANIMATRIX, 2003) para dar conta dessa expansão. Quanto às cenas de artes marciais, houve um trabalho mais caprichado de coreografia das lutas, que duram mais e são mais valorizadas. O resultado foi um bom filme do meio da trilogia.

MATRIX REVOLUTIONS (The Matrix Revolutions)

Gostei deste terceiro Matrix mais agora na revisão do que na época que vi nos cinemas. Na época me aborreceu muito o tom grandiloquente que acabou tornando as cenas de batalha muito longas. Desta vez, achei o tamanho das cenas bem justo (seja as em Zion, e com destaque para a personagem de Jada Pinkett Smith pilotando a nave; seja a luta de Neo com o Agente Smith). Em comparação com o segundo filme, MATRIX REVOLUTIONS (2003) passa a impressão de ser mais redondinho também, embora seja, um prolongamento dele. Há menos espaço para elucubrações filosóficas, para o bem e para o mal. Achei curioso o fato de haver um elenco de pessoas negras bem generoso para os padrões da época. Boa parte dessas pessoas de Zion são personagens intensos e importantes, às vezes até mais do que o próprio Morpheus, que aqui parece mais um coadjuvante. Por outro lado, a questão trágica e romântica envolvendo Neo e Trinity, seus destinos finais, são bem bonitos. Funcionaria mais do ponto de vista dramático se os atores fossem bons, mas tudo bem, se aceitarmos o filme como ele é.

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