quinta-feira, dezembro 23, 2021
11 FILMES VISTOS NO FESTIVAL VARILUX DE CINEMA FRANCÊS
Até que vi um bocado de filmes desta edição do Festival Varilux, que, tenho notado, está trazendo melhores títulos. Ou a curadoria está se preocupando mais com a qualidade dos filmes ou este é mesmo um espelho do momento atual do cinema produzido na França. Infelizmente não vou poder escrever com mais atenção sobre alguns dos títulos que mais me pegaram do ponto de vista emocional, por falta de tempo e de cansaço mental. Então, deixo aqui um breve registro dos títulos vistos, em ordem de preferência.
ENQUANTO VIVO (De Son Vivant)
Dos filmes dirigidos por Emmanuelle Bercot, tinha visto apenas o mediano ELA VAI (2013) e o ótimo DE CABEÇA ERGUIDA (2015), que já atestava tanto o seu excelente trabalho de direção de atores, quanto sua sensibilidade na questão envolvendo maternidade e paternidade. ENQUANTO VIVO (2021) é um filme que já me ganha desde a premissa simples: a batalha de um homem contra um câncer. Tenho por costume gostar desses dramas que lidam com a finitude, com a vida se esvaindo e as chances de utilizar os últimos dias da melhor maneira possível. O personagem Benjamin (Benoît Magimel) tem ainda o drama de negar ou esconder um arrependimento, além de acreditar que não fez nada de realmente importante em sua vida. Ele é professor de teatro e as cenas dos ensaios ajudam a trazer respeito e seriedade para o atuar. Há uma cena em que a atuação de uma jovem se mistura com os sentimentos da vida real. ENQUANTO VIVO é mais um filme de nó na garganta do que de lágrimas aos borbotões e é lindamente dirigido. Gosto de como o scope funciona bem nas cenas dos personagens na horizontal (no hospital), mas também da câmera seguindo os personagens nos corredores. É doloroso, faz a gente pensar em muita coisa (lembrei de meu pai, do meu grande amigo que perdi, das conversas que a gente tratava sobre a morte). Pra completar, ainda tem uma utilização linda de certas canções. Adoro os personagens do médico (Gabriel Sara) e de sua assistente (Cécile de France). Catherine Deneuve é praticamente coadjuvante, mas sua força como mãe perdida diante da futura ausência do filho me comoveu bastante.
MADRUGADA EM PARIS (Médecin de Nuit)
Acho que Vincent Macaigne é, atualmente, o ator francês de que eu mais gosto. Em MADRUGADA EM PARIS (2020), de Elie Wajeman, ele foge um pouco dos tipos a que estou acostumado a vê-lo e faz o papel de um médico que atende em domicílio pelo sistema público de saúde da França, mas também tem por hábito passar receitas de medicamentos de controle especial para viciados em drogas. Além da força de Macaigne, que está o tempo todo sendo vigiado pela câmera, temos o clima da noite como um elemento de mistério, excitação e angústia. E o protagonista tem inseguranças, dúvidas e uma atração pela rotina perigosa que o torna fascinante. Até senti um ar meio TAXI DRIVER no filme. Uma das melhores surpresas do festival.
PARIS, 13º DISTRITO (Les Olympiades, Paris 13e)
O novo filme de Audiard, PARIS, 13º DISTRITO (2021), tem um charme que conquista já pelo uso da fotografia em preto e branco bem nítida e brilhante, mas também pela ótima condução do drama dos seus três personagens. Inicialmente somos apresentados à chinesa Emilie, que encontra no colega de quarto, Camille, um amante e um amor. Posteriormente, entra em cena Nora, a personagem de Noémie Merlant (RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS), cujo destino cruzará com os dois mais adiante. O filme trata com seriedade os problemas dos personagens, mas o drama é ligeiramente leve, para o bem e para o mal. Gosto de como o filme lida com suas questões sexuais, trazendo inclusive uma cena bem sensual. Essas questões se confundem com seus sentimentos, suas carências afetivas e suas inseguranças. Isso talvez seja o que mais me ganhou no filme.
CAIXA PRETA (Boîte Noire)
O diretor Yann Gozlan, cujos filmes anteriores não me lembro de terem sido lançados em circuito, usa direitinho a cartilha de Hitchcock para construir o seu thriller sobre um analista de caixa preta que começa a achar que algo muito estranho está havendo no arquivo do acidente que vitimou mais de 300 pessoas de um avião. Há fortes ecos de UM TIRO NA NOITE, de Brian De Palma, e também de BLOW-UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO, de Michelangelo Antonioni, mas também há muito Hitchcock neste CAIXA PRETA (2021). Até a trilha sonora emula Bernard Herrmann várias vezes, principalmente nas sequências finais. O trabalho de suspense é tão bom que nem sentimos as mais de duas horas passarem. Há também um cuidado com a movimentação da câmera (parece um balé a sequência no início, nos corredores de um avião) e com a construção dos personagens. O obcecado protagonista é vivido por Pierre Niney. Franzino e de rosto expressivo, ele já tinha se mostrado muito bem em filmes como FRANTZ e YVES SAINT LAURENT.
ILUSÕES PERDIDAS (Illusions Perdues)
Não conhecia a obra de Balzac nem de ouvir falar (da trama). E achei bem fascinante o modo como ele nos apresenta ao mundo sujo da imprensa dentro dos meios culturais. Ainda assim, por mais cínicos que sejam os liberais da imprensa, não perdem em falta de caráter para a monarquia, que ainda insistia em se manter viva naqueles tempos pós-revolução. No meio disso tudo, somos apresentados ao jovem Lucien, que inicialmente é um inocente e apaixonado poeta que tem sua vida mudada quando muda para Paris. O próprio ILUSÕES PERDIDAS (2021) muda de ritmo quando somos enviados para a cidade-luz, com sua correria e novos hábitos. No que se refere às questões relativas à maldade da elite francesa, o filme nos faz lembrar MARGUERITE (2015), um dos filmes anteriores de Xavier Giannoli, e também um dos sucessos do Festival Varilux de Cinema Francês.
ADEUS, IDIOTAS (Adieu les Cons)
O grande vencedor do César deste ano, ganhando inclusive melhor filme, direção e fotografia, é uma comédia agridoce sobre duas pessoas que têm a morte iminente em comum. Ela (Virginie Efira, ótima) está com uma doença terminal e tem pouco tempo de vida; ele (Albert Dupontel, o próprio diretor) tenta o suicídio por ser um pouco dramático (ele mesmo reconhece isso). A jornada dos dois se cruza quando ela, à procura de seu filho biológico, acaba cruzando com a pessoa que pode lhe ajudar. Apesar do tema pesado, ADEUS, IDIOTAS (2020) opta pela leveza e usa um tipo de humor às vezes ingênuo, e que muitas vezes funciona muito bem, embora o final possa parecer transgressor para quem acredita que certas decisões são proibidas. Destaque também para o personagem do homem cego (Nicolas Marié, César de ator coadjuvante), que compõe um engraçado trio com os outros dois neste filme de pessoas desesperançadas que encontram em uma missão um bom motivo para achar uma nova faísca de vida. Mas achei lindo mesmo foi Efira. Linda, loira e com sua blusa vermelha combinando com os sapatos vermelhos, correndo pelas ruas, em fuga.
ESTÁ TUDO BEM (Tout S'Est Bien Passé)
Pode não ser um dos filmes mais brilhantes de François Ozon, mas, à luz de sua filmografia, ele encontra algumas intersecções, além de trazer reflexões muito interessantes acerca da morte e do direito à eutanásia, sem se acercar de um tom pesado. O filme conta a história de um homem que tem um AVC e decide pôr fim à própria vida. Como a trama é vista principalmente pelos olhos das filhas, em especial da personagem de Sophie Marceau, acaba por tornar o personagem do homem um pouco mais enigmático, ainda que, logo no começo, com toda aquela tristeza de ver o corpo doente, seja fácil de compreender a intenção do personagem de André Dussollier. Da filmografia de Ozon, o que mais lidava com a chegada da morte até então era o ótimo O TEMPO QUE RESTA (2005). Mas há algo de muito mais trágico em ver a morte chegando para um corpo jovem, ou é impressão minha?
AS COISAS DA VIDA (Les Choses de la Vie)
Acabei vendo AS COISAS DA VIDA (1970), de Claude Sautet, com o corpo cansado e sem a minha dose de cafeína necessária para a sessão. Isso prejudicou um pouco a minha apreciação, especialmente no começo, quando a narrativa trata mais da relação um tanto desgastada do casal vivido por Michel Piccoli e Romy Schneider. Mas depois acordei e fiquei bem atento para a sequência do acidente, que, a julgar pelo prólogo do filme, é essencial para a história e para o modo como ela é concluída. Destaque também para a bela música de Philippe Sarde.
A TRAVESSIA (La Traversée)
A animação escolhida para integrar a programação deste ano do festival não tem nada de infantil. Ou quase nada. Mas infelizmente os programadores persistirem na ideia de exibir o filme dublado, o que não combina com o público do festival, em geral muito disposto a ouvir língua francesa. Porém, uma vez passada a raiva inicial, e como se trata de animação, é possível se envolver com a história dos dois irmãos que se perdem dos pais por causa de uma situação envolvendo guerra e abuso de poder em seu país. Acabam conhecendo pessoas pelo caminho, sofrendo bastante e procurando o melhor meio para a sobrevivência e para o amadurecimento antecipado. A beleza de A TRAVESSIA (2021), de Florence Miailhe, está mais no tipo de desenho e pintura usados, em aquarela. Faz a diferença, ainda que não tenha conseguido me manter acordado em seu terço final. Eu e meu problema com a animação...
MENTES EXTRAORDINÁRIAS (Presque)
Simpática comédia que segue uma estrutura de road movie, apresentando a união inusitada de um empresário de uma funerária e um rapaz com deficiência. MENTES EXTRAORDINÁRIAS (2021), de Bernard Campan e Alexandre Jollien, foi me ganhando aos poucos. Como muitas comédias francesas medianas, esta começa de maneira um pouco preguiçosa, mas depois vai ficando interessante, atraente e divertida. Provocou muitas risadas na plateia e há momentos comoventes também. Pode incomodar um pouco quem não gosta de "filme de mensagem", por assim dizer, mas tem o seu charme, suas leves ousadias e a dupla de atores se sai muito bem. O filme cresce quando entra em cena uma moça na viagem. É muito mais leve do que aparenta a princípio, com o tema da morte que chama logo a atenção no começo.
UM INTRUSO NO PORÃO (L'Homme de la Cave)
É interessante trazer o tema do negacionismo e das fake news para um filme de suspense, mas UM INTRUSO NO PORÃO (2021), de Philippe Le Guay, comete uma série de deslizes, por mais que durante sua metragem garanta o interesse do espectador. Na trama, François Cluzet é um homem que compra o porão da casa de um homem francês judeu (Jérémie Renier), mas que depois passa a transformar a vida do sujeito num inferno. O roteiro tenta ser redondinho, o que configura um filme de linha mais tradicional. E isso não é problema. Passa a ser problema quando não consegue dar conta de certos detalhes (o que é aquela história do massacre dos povos indígenas americanos?) e também parece não saber como terminar. Talvez o suspense não seja um gênero que seja muito íntimo a Le Guay, mas também não se trata de um diretor de filmes admiráveis. O anterior dele, NORMANDIA NUA (2018), também com Cluzet, eu já havia achado bem mais ou menos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário