domingo, outubro 17, 2021

PEGANDO A ESTRADA (Jaddeh Khaki)



Quando PEGANDO A ESTRADA (2021) começa, até pode-se imaginar se tratar de algo próximo do documental, como acontece nos filmes de Jafar Panahi, mas logo vemos que Panah Panahi prefere seguir o próprio caminho, por mais que as influências do pai e de Kiarostami sejam difíceis de escapar, inclusive por ele ter visto de perto os dois diretores trabalhando quando criança e ter feito a montagem do filme mais recente do pai. A direção de fotografia é de Amin Jafari, o mesmo de 3 FACES, o que acentua também algumas semelhanças.

Assim que o filme começa, vamos ficando intrigados com o objetivo da viagem daquela família, o mistério em torno do que o filho mais velho fará. E por que todos estão tão emotivos. Só o garotinho, o irmão mais novo, é que, desconhecendo o que de fato está acontecendo, enxerga tudo como um passeio de diversão. No carro, estão presentes o pai (com a perna engessada), a mãe, o filho maior (dirigindo), o filho menor (inquieto) e um cachorrinho doente.

O filho mais velho está se preparando psicologicamente para um momento novo de sua vida e isso não está sendo fácil para a família. Nem para ele. Adoro o tom amoroso como esse filme explicita o povo iraniano. E fico encantado como, com tão poucos recursos e com um governo castrador, vários diretores conseguem fazer milagres com a câmera e, com suas sensibilidades, ganhar o mundo. O próprio Panah, em sua primeira experiência na direção, traz momentos lindíssimos, tanto plasticamente, quanto no trato com as emoções.

Há uma carga de tensão no filme desde o início. Não apenas porque a família, apesar de se amar, parece não estar na mesma sintonia, mas principalmente por causa dos perigos de eles serem descobertos pelo governo iraniano. Logo no começo, eles precisam se livrar do celular para não serem rastreados. Aos poucos, PEGANDO A ESTRADA vai nos entregando mais informações. Ficamos sabendo que o filho mais velho está tentando sair do país, cruzando, com a ajuda de contrabandistas, a fronteira com a Turquia. Por mais que sair do país signifique ter mais liberdade na vida, deixar a família é o que mais dói.

Gosto muito de uma cena em que esse filho mais velho conversa com o pai à beira de um riacho. O pai diz que ele pode ficar tranquilo para chorar na frente dele, se quiser, mas que é melhor não chorar muito na frente da mãe. Há outra cena linda, que é a conversa desse mesmo rapaz com sua mãe, quando ela o pergunta qual seu filme favorito. Ele: 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO. Em seguida, diz o porquê. Acaba deixando a mãe ainda mais emotiva. Há também cenas belíssimas com canções pop iranianas de artistas que, por causa da “revolução”, já saíram do país. Essas canções, ora trazem um tom de alegria, ora de acentuação da melancolia.

Panah Panahi fez uma estreia e tanto e é muito bom ver que o cinema iraniano está seguindo firme, apesar de tantos percalços.

+ DOIS FILMES

UM FORTE CLARÃO (Destello Bravío)

Um filme que não funcionou comigo, pelo menos numa primeira visão. Revendo trechos, percebi que a compreensão se faz melhor. Mas o que deixa tudo confuso em UM FORTE CLARÃO (2021) é a grande quantidade de personagens e o quanto seus dramas parecem soltos e às vezes largados. De repente, começamos a ver outros ou mesmo imagens mais contemplativas e belas da cidadezinha onde se passa a história. Em uma reunião de mulheres de meia idade, ficamos sabendo que naquela cidade não há mais jovens. Todos (ou quase) foram embora, inclusive parindo e criando seus filhos fora de lá também. Então, é como se fosse um espaço fadado a se transformar em um grande cemitério. Mas, no meio disso, há também espaço para uma mulher que resolve largar o marido para ter sua liberdade. Aliás, isso talvez seja o que mais nos apega a algo mais terreno do filme, que, vez ou outra, traz tons surrealistas. Já li em algum lugar que o filme seria classificado como ficção científica, o que, para a falta de recursos de uma produção como essa, é aceitável. Outro destaque do filme é a maneira extravagante como a diretora resolve filmar certas cenas. Lembro daquela em que a câmera se posiciona para uma mesa com quatro mulheres, mas só vemos as duas da ponta, uma delas de costas e a outra está coberta pelo corpo da amiga. Ou seja, sendo um primeiro longa da diretora e ela tendo total liberdade para inventar, nada mais justo. Direção: Ainhoa Rodríguez.

NO TÁXI DE JACK

A tarefa de ver filmes fora do lugar comum é bastante desafiadora. Aqui, no caso, há o desafio de encarar o estranho senso de humor português, há o personagem com pinta de Elvis da terceira idade sempre contando de sua temporada como taxista em Nova York, e há um tipo de andamento que também é diferente do usual, mas que talvez seja reconhecido por quem já acompanha o trabalho de Susana Nobre. Trata-se de seu décimo filme, se contarmos curtas e documentários, mas é seu segundo longa de ficção, depois de TEMPO COMUM (2018). NO TÁXI DO JACK (2021) tem um leve tom saudosista e melancólico. O protagonista está de volta a seu país natal, procurando emprego, conversando com o amigo cego e cadeirante e lidando com seus problemas de saúde. É possível fazer um paralelo com EU, DANIEL BLAKE, de Ken Loach, mas Nobre prefere um registro bem menos ligado ao melodrama, com um visual mais sujo e herdeiro do documentário. Aliás, o filme começou a ser realizado a partir do contato da cineasta com o ator, Joaquim Calçada, em sua busca por emprego.

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