sábado, junho 12, 2021
O RAPAZ QUE PARTIA CORAÇÕES / CORAÇÕES EM ALTA (The Heartbreak Kid)
No início da minha cinefilia, quando a revista SET era a minha principal fonte de aprendizado, lembro de uma resenha sobre ISHTAR (1987), último filme de Elaine May, que teria sido um desastre de bilheteria e, ao que parece, de crítica também. Ainda assim, o crítico deu ao filme três estrelas, como sendo uma obra torta, mas que merece a atenção do espectador. Eu, até hoje, nunca o vi. Assim como nunca vi nenhum outro trabalho de direção de May. Hoje acho que foi o machismo de nosso mundo que fez com que a filmografia ainda que curta da diretora (e atriz) fosse desvalorizada.
Na época da estreia de ANTES SÓ DO QUE MAL CASADO, dos irmãos Farrelly, por exemplo, apenas se comentava o fato de se tratar de um remake, ou uma reimaginação de O RAPAZ QUE PARTIA CORAÇÕES (1972), de May. Ou seja, não li em lugar algum um enaltecimento da obra de May. Passaram-se anos e eu não tive sequer curiosidade de ver o filme, até um dia desses, quando no Letterboxd, alguém escreveu a respeito e eu vi o cartaz, que destaca a presença de Cybill Shepherd, ela que talvez tenha sido a mais deslumbrante atriz de Hollywood na década de 1970.
Ou seja, muito provavelmente a minha chegada (finalmente) ao filme de May se deu em parte a um fato talvez machista (o encanto por Shepherd no auge da beleza e juventude), mas também aos elogios que li sobre a obra, segundo filme da diretora depois do sucesso discreto de O CAÇADOR DE DOTES (1971). De todo modo, antes tarde do que nunca pude apreciar O RAPAZ QUE PARTIA CORAÇÕES e entender alguns dos motivos de os Farrellys terem se interessado em refilmá-lo à sua maneira, exagerando os aspectos cômicos.
Na história, Charles Grodin é Lenny, um sujeito simples de Nova York que sai à noite à cata de uma namorada e a encontra em Lila (Jeannie Berlin). Acontece tudo muito rápido, não vemos um desenvolvimento no namoro dos dois, a não ser uma tentativa de sexo antes do casamento (ela prefere esperar) e em seguida o casamento na tradição judaica. Logo eles embarcam para uma viagem de carro para a Flórida a fim de passar a lua de mel. Mas é no carro que Lenny começa a ficar incomodado com o jeito de Lila, além de também ficar um tanto desapontado com o sexo. Mas o pior de tudo é quando ela sempre o lembra de que eles estarão juntos por mais 50 anos de vida. Para ele isso mais parece uma maldição.
Tudo muda quando Lenny conhece em Miami a loira Kelly (Shepherd), que flerta com ele de maneira descompromissada, mais como se quisesse se divertir. Ele fica totalmente encantado por aquela moça - o que é totalmente compreensível - e aproveita a insolação de Lila para passar o dia com Kelly, avisando para ela de sua condição de recém-casado. Havia, portanto, dois obstáculos: além de seu casamento, Lenny tinha que passar pelo pai de Kelly, um senhor bem pouco simpático e que já não gostou de Lenny desde a primeira vez que o viu.
Antológica a cena em que Lenny decide falar com o pai de Kelly, colocando, assim, as cartas na mesa, palavras escolhidas pelo próprio. A cena é engraçada pois Kelly, ao testemunhar aquilo, no início parece um pouco entediada, mas depois passa a achar tudo muito divertido. Porém, com todos os defeitos de Lenny, uma coisa não lhe falta: determinação. Mas um tipo de determinação que acaba por acentuar ainda mais sua superficilidade, principalmente no terceiro ato, que se passa na cidade de Kelly, no gélido estado do Minnesota. Nesse terceiro ato, há também uma cena muito sensual dos dois, que não chega a ter uma nudez gráfica, mas é tão deliciosamente libidinosa que chega a ser até mais interesante do que a cena da piscina de A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA, o filme de Peter Bogdanovich que apresentou Cybill Shepherd para o mundo.
O RAPAZ QUE PARTIA CORAÇÕES é também muito rico em sua crítica ao American way of life e à valorização da determinação a qualquer preço, não importando que para isso se aja de maneira bem pouco honesta. Em comparação com o filme dos Farrelly, trata-se de uma comédia muito mais nervosa. Mas, por mais que haja todo aquele desconforto de ele enganar a esposa no começo, é possível acreditar que é por uma "boa causa", que aquela lua de mel seria uma ironia do destino, que poderia ser vista como um sinal. Muito do trunfo de May e do roteirista Neil Simon foi, em vez de fazer uma comédia romântica rasa e esquecível, construir um conto agridoce sobre ser bem sucedido na sociedade americana.
+ DOIS CURTAS
LE CANAPÉ ROUGE
É sempre um prazer ver um Éric Rohmer, mesmo que em um curta-metragem de 20 minutos. A essência do cineasta está presente de maneira condensada em um conto sobre arte, desejo e (in)segurança. Na trama de LE CANAPÉ ROUGE (2005), duas amigas se reencontram na rua depois de um longo tempo sem se ver e uma delas convida a outra para visitar a sua casa e ver o seu ateliê. Fiquei pensando como os ricos franceses parecem tão mais sofisticados em sua forma de verem a vida e a arte, mesmo quando parecem estar enganando o outro ou a si mesmos - em comparação com a nossa burguesia brasileira, essencialmente brega. De todo modo, o filme tem muito mais a dizer do que a princípio eu captei.
LINDA, UMA HISTÓRIA HORRÍVEL
Recentemente reli, com muita emoção, o conto de Caio Fernando Abreu, que tem significados tanto naquilo que é dito quanto naquilo que não é dito. Por isso uma adaptação para o cinema desse conto seria uma ousadia imensa. Muito do conto consiste na conversa entre mãe e filho, sobre como está a vida, sobre memórias, sobre saudade latente e dor indizível. Nesse sentido, fiquei muito surpreso com o resultado do curta LINDA, UMA HISTÓRIA HORRÍVEL (2013), de Bruno Gularte Barreto, que tem um respiro muito bonito na conversa entre os dois personagens enquanto tomam café e fumam cigarro. É econômico na direção de arte nas cenas mais importantes, e utiliza música boa na cena final. Fiquei surpreso ao ver o nome do meu amigo Milton do Prado nos créditos como montador.
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