segunda-feira, janeiro 18, 2021
15 CURTAS BRASILEIROS
Como venho assistindo vários curtas-metragens ultimamente, vou deixar aqui alguns breves comentários sobre os últimos vistos.
A MORTE BRANCA DO FEITICEIRO NEGRO
A questão da inclusão do negro na sociedade brasileira que remonta à escravatura aparece com força e tristeza nas imagens e nas palavras de uma carta de suicídio de uma jovem escravo, um testamento em forma de lamento, como dizem. Como A MORTE BRANCA DO FEITICEIRO NEGRO (2020), de Rodrigo Ribeiro, destaca o banzo desde o início, então há a dor terrível do deslocamento de sua terra para um lugar de sofrimento e imposição de outro tipo de cultura nas palavras do rapaz. Há uma trilha sonora lindamente fantasmagórica que se junta às palavras de Timóteo e às fotografias escolhidas pelo diretor para ilustrar o registro e o sentimento que vem dele.
MOVIMENTO
Uma pequena pérola este MOVIMENTO (2020), rodado no período de quarentena em esquema caseiro por Gabriel Martins, um dos diretores mais talentosos da nova cena mineira. Muito bonito ver os cuidados com o bebê dentro da casa, enquanto o clima de hostilidade se intensifica do lado de fora, seja por causa da pandemia, seja por notícias sobre ataques de racismo intenso no Brasil. E o que é aquela sucessão de imagens de pessoas negras das mais diferentes idades dançando em vídeos da internet? Ter a sensibilidade de filmar e também de coletar e montar essas cenas para o pequeno curta de 10 minutos é um feito e tanto.
MINHA HISTÓRIA É OUTRA
Bonito filme este MINHA HISTÓRIA É OUTRA (2019), de Mariana Campos, sobre o quanto ainda é preciso avançar para que mulheres negras e lésbicas possam ter não apenas um espaço de se sentirem parte da sociedade, e não à margem, mas também com chances reais de serem aceitas também dentro do mercado de trabalho. Esse segundo aspecto é citado em uma conversa afável entre duas amigas enquanto elas pintam seus cabelos. Depois somos convidados a participar de um papo educativo (no melhor sentido do termo), com outras personagens, sobre questões relativas a demonstrações de afeto em público e inserção política. A diretora dá um belo destaque também ao visual do filme, que se relaciona muito bem com o grau de afetividade e carinho que tomam conta da tela.
NÃO TE AMO MAIS
Começa parecendo uma carta endereçada a uma pessoa, mas aos poucos vamos vendo que o tema aqui é outro: a relação que nordestinos (cearenses, piauienses) têm com a cidade. De início, um apaixonar-se. Eu mesmo ainda sou apaixonado e sei o que é isso. Mas como nunca trabalhei e não passei as duras provações de morar de fato lá, não tive esse processo de desencanto. Porém, como se pode ouvir dos relatos dos quatro personagens (por assim dizer), eles se sentem sim muito gratos com o tanto que a cidade os fez crescer e aprender a viver. NÃO TE AMO MAIS (2020), de Yasmin Gomes, faz questão de mostrar as diferenças culturais nordestinas de formas quase dissonantes com o aspecto mais cosmopolita da megalópole.
ADEUS
Mais um exemplo de que o cinema brasileiro é uma caixinha de surpresas esta animação bastante sofisticada em um momento difícil para as animações, por maiores obstáculos técnicos. É impressionante o quanto ADEUS (1988), de Céu D'Ellia, gera sentimentos dos mais diversos. Uma das vantagens da animação é justamente ter essa liberdade praticamente sem limites de experimentar e de lidar tanto com a materialidade quanto com as abstrações. A trilha sonora ajuda a compor o tom de estranheza e certa perturbação. Quanto à história, não me arrisco a dizer.
ANTONIO MELIANDE - PAU PRA TODA OBRA
Delícia de documentário que presta tributo ao trabalho de Antonio Meliande, principalmente como diretor de fotografia. Afinal, ele até hoje é considerado um dos melhores do Brasil de todos os tempos. Era o cara que trabalhava com o Khouri, cineasta-lenda. Senti falta de mais considerações sobre os filmes dele como cineasta, mas imagino que o foco era mesmo seu papel como mestre da fotografia e da luz. E em ANTONIO MELIANDE - PAU PRA TODA OBRA (2011), de Daniel Camargo, temos vários intérpretes, cineastas e o especialista Fábio Vellozo tecendo considerações sobre ele. Ver trechos desses vários filmes ajuda a aquecer o coração, relembrar essa quantidade imensa de obras maravilhosas que ele esteve envolvido. Entre as pessoas entrevistadas, há Monique Lafond, Lúcia Veríssimo, Antônio Fagundes, Guilherme de Almeida Prado, Vera Zimmermann, Aldine Müller, Paulo Thiago, Ícaro Martins, entre outros.
NÁUFRAGOS
Admiro o trabalho de Gabriela Amaral Almeida desde que vi A MÃO QUE AFAGA (2012) no Festival de Gramado. E que bom que é uma cineasta sensível que adentra com vontade o território do cinema de horror. Ainda acho que sua obra-prima é o aterrorizante curta ESTÁTUA! (2017), mas esta sua estreia na direção (em parceria com Matheus Rocha) é também uma beleza. Na verdade, NÁUFRAGOS (2011) é mais melancólico do que assustador, ao tratar do tema da solidão na velhice. A própria imagem da velhinha vendo um vídeo de pessoas jovens fazendo ginástica aeróbica em uma televisão velha já é simbólica. E o caminho do simbolismo fica ainda mais forte com a cena do marido debaixo da cama e o sentimento de incomunicabilidade na conversa com a moça que chega para fazer a faxina e o almoço. O final é bonito, comovente.
CONSTRUÇÃO
Mais um filme da leva de obras que utilizam o registro documental para construir algo próximo da ficção, e flagrar momentos de espontaneidade. Em CONSTRUÇÃO (2020), de Leonardo da Rosa, acompanhamos o drama de uma mulher e seus três filhos que são despejados de sua casa e voltam para uma comunidade, a fim de construir uma nova casa, praticamente do zero. Aos poucos vamos tendo algumas informações sobre os motivos da situação da personagem, a violência doméstica que sofreu. O momento mais simbólico e bonito é do filho pequeno dizendo que quer ser policial para proteger a mãe, para estar sempre por perto.
EGUM
A tendência atual de usar o gênero horror para tratar de questões raciais tem dado muito certo no cinema americano. No Brasil também estamos vendo esse fenômeno tomar cada vez mais forma. "Egum" é provavelmente um dos melhores dessa linha. EGUM (2020), de Yuri Costa, é perturbador desde o primeiro ato, quando o protagonista, um jovem que retorna à sua casa depois de muito tempo distante, vê todos lá perturbados das mais diversas maneiras. A única pessoa sã e relativamente calma parece ser sua avó, que sabe que os eguns não são necessariamente maus, mas espíritos que também sofrem. Ou seja, se os negros têm um histórico de escravidão, genocídio e humilhação que remonta há séculos, é de se imaginar a quantidade de espíritos perturbados perambulando. Dentro da casa, eu fiquei particularmente incomodado com a presença do pai alcoólatra. Por razões pessoais. Muito interessante também, e igualmente perturbadora, a presença do casal de brancos.
O FUTURO É UM VAZIO
Não é um filme fácil este O FUTURO É UM VAZIO (2020), de Wesley Pereira de Castro, e, por mais que seja muito pessoal, expressa as angústias de muitos durante o período pandêmico, quando o aparelho celular parecia o nosso grande parceiro. Há um trecho do filme de Wesley com que eu me identifiquei: quando ele diz que vai tomar um banho, para se sentir melhor. Eu faço isso o tempo todo, várias vezes ao dia. E não é só por causa do calor. Há várias cenas que simulam tentativas de suicídio, outras em que o personagem (ele diz que virou um personagem) claramente se expressa de maneira teatral, como em tragédias. Há passagens de pura poesia do cotidiano, como a cena da chuva, ou a do cachorro feliz. Quanto ao futuro ser um vazio, é a tal coisa: um futuro sem nada escrito também pode ser algo positivo. O fato de sabermos ou não como lidar com esse "um dia de cada vez" é que faz a diferença.
ENTRE NÓS E O MUNDO
Muito bonito poder ter a possibilidade de homenagear uma pessoa querida através de um curta, e expressando mais a vida do que a morte. A partir da morte de um garoto pela polícia, o diretor junta trechos de imagens com trechos de áudio a uma dramatização documental e ficcional. Essa mistura de linguagens é uma tendência do momento, tanto dos curtas quanto dos longas, mas mesmo assim eu demoro a me acostumar. É um tipo de filme que é bastante devedor da montagem para que funcione. E começar e terminar o filme é algo que foi feliz em ENTRE NÓS E O MUNDO (2019), de Fábio Rodrigo. No começo, vemos um pequeno grupo de garotos cantando sobre as dificuldades de saírem da vida na favela; enquanto que ao final vemos uma imagem bonita de exteriores, sinalizando uma relação positiva com a vida.
FILME DE DOMINGO
Mais um exemplar do cinema de afeto e também de um cinema que nos aproxima da vida de uma família humilde, em Capão Redondo, periferia de São Paulo, ainda que desta vez uma família bem estruturada e feliz. Em FILME DE DOMINGO (2020), Lincoln Péricles, há a figura do tio que carrega uma sabedoria sobre a vida, sobre a espiritualidade, sobre a necessidade de estudar para conquistar a felicidade. O diretor consegue tanto uma espontaneidade nas cenas do cotidiano (gosto de quando o trio sai para comer pastel), quanto uma fluidez narrativa admirável: a meia hora de duração passa rápido.
O JARDIM FANTÁSTICO
Fábio Baldo (em parceria com Tico Dias neste filme) retorna à temática indígena, depois do ótimo longa de estreia ANTES O TEMPO NÃO ACABAVA (2016). No curta O JARDIM FANTÁSTICO (2020), temos uma professora indígena que usa Ayahuasca em suas aulas com crianças de modo a conectá-las com outra realidade. O menino Luiz Felipe Jesus tem uma presença de cena admirável e o filme tem um clima de mistério muito envolvente, além de trazer algumas imagens que ficam presas na memória, como a cena do abraço, as crianças sussurrando na escola ou o questionário com cartas (de tarô?) com a professora na floresta. Muitas questões podem ficar no ar, o que é bom.
CHÃO DE RUA
Delicado trabalho que lida com dificuldades nas relações familiares e conjugais derivadas principalmente de certo sentimento de insegurança, levando em consideração o personagem principal, do pai-marido, vivido por Santos Chagas. A força de CHÃO DE RUA (2019), de Tomás von der Osten está nos pequenos gestos, mas também no uso da luz e da sombra, como no efeito que vemos do rosto da esposa ao ver a tatuagem. Belo também o plano da lua, ao som de uma canção popular.
CINEMA CONTEMPORÂNEO
Curioso eu ter visto a tal foto, ainda que com os rostos riscados, só depois de ver o curta CINEMA CONTEMPORÂNEO (2019), de Felipe André Silva. O tema do abuso sexual no ambiente familiar já é por si só bastante pesado. Ao não dar nomes aos bois embora não querendo sair da posição de vítima, pois de fato ele continua sendo, o autor encontra uma maneira muito interessante de falar sobre essa questão. Mostrar aproximações da foto não destaca os culpados, mas passa um sentimento de mal estar que a foto provoca em quem foi o mais prejudicado. E há a boa narração e o dolorido texto.
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