segunda-feira, setembro 07, 2020

SÓ UM BEIJO POR FAVOR (Un Baiser S'il Vous Plaît)

O ruim de ter um monte de coisas pendentes para fazer é que a qualidade dos textos deste espaço acaba ficando prejudicada. Mas não queria deixar que a memória de um filme como SÓ UM BEIJO POR FAVOR (2007), de Emmanuel Mouret, se perca. Na verdade, já há vários outros filmes em atraso para comentar aqui no blog, mas nada posso fazer se o dever me chama, a não ser tentar equilibrar a diversão com o dever. E, falando em responsabilidade e prazer, é curioso como esta excelente comédia de Mouret trata disso com tanta propriedade e com tanta delicadeza.

Meu contato anterior com o cinema desse cineasta foi em duas vezes em que dois de seus filmes foram selecionados para integrar o Festival Varilux de Cinema Francês. A primeira com FAÇA-ME FELIZ! (2009) e a segunda com A ARTE DE AMAR (2011). Ambos os filmes são muito divertidos, mas, se o primeiro segue uma linha próxima da comédia mais física de Jerry Lewis, Charles Chaplin e Buster Keaton, aproximando-se também das comédias malucas de Howard Hawks; o segundo lembra mais diretores que lidam com os relacionamentos, como Woody Allen e Éric Rohmer.

Nesse sentido, SÓ UM BEIJO POR FAVOR se aproxima mais de A ARTE DE AMAR e mostra que o cinema francês está muito mais em sintonia com as comédias românticas clássicas hollywoodianas do que o cinema produzido nos Estados Unidos e no Reino Unido, em que o subgênero tem demonstrado queda e quase desaparecimento com o passar dos anos. Inclusive, SÓ UM BEIJO POR FAVOR também me fez lembrar uma das minhas comédias românticas favoritas, HARRY E SALLY - FEITOS UM PARA O OUTRO, de Rob Reiner, já que trata dessa questão envolvendo sexo entre amigos, aproximação afetiva entre amigos.

Aqui a pergunta não é: será que é possível haver amizade entre um homem e uma mulher (heteros)?. Aqui a pergunta é: um beijo de uma amiga (junto com sexo, no caso), a fim de satisfazer uma carência afetiva, pode ter consequências, no sentido de surgir uma paixão e por conseguinte afetar um casamento? E por mais que alguém possa achar a premissa um tanto boba, pode imediatamente mudar de ideia ao ver o modo como Mouret lida com a situação. É simplesmente um barato vê-lo contando à amiga de sua necessidade de afeição e de como ele não conseguiu obter um beijo de uma garota de programa. E principalmente o momento em que os dois vão para a cama pela primeira vez.

Há também um prazer muito especial na condução narrativa, já que essa história é contada por um outro casal de personagens, o casal que dá início ao filme. No começo, um homem dá carona a uma mulher e os dois sentem uma atração pelo outro. Porém, ela acredita que um simples beijo na boca na despedida, por mais que eles nunca mais se vejam no futuro, pode sim ter consequências, e por isso ela passa a lhe contar uma história. E assim começa a história principal, narrada em tons de As Mil e Uma Noites, tanto no que se refere ao encanto do narrativa, quanto ao encanto que vai crescendo entre os dois ao longo da noite.

Além do mais, o filme traz uma valorização do beijo até o final. Basta ver o beijo final, que é caprichado. Porém, até chegar lá, haja neurose, haja dúvida por parte do casal da história narrada. Eles gostam tanto da primeira experiência que tiveram, que não conseguem parar de pensar e querer mais. O casal é vivido pelo próprio Mouret e pela bela Virginie Ledoyen, uma jovem que pode ser vista em A PRAIA, aquele filme estrelado por Leonardo Di Caprio e dirigido por Danny Boyle. Ela também está no elenco da comédia musical 8 MULHERES, de François Ozon.

Com beleza, carisma e delicadeza, a atriz é ótima como a mulher que teme pela dor da separação do marido. Sim, ela é casada e ama o marido, mas está apaixonada pelo melhor amigo. O ideal, então, para que o marido não sofra é que ele se apaixone por outra mulher. E aí surge então uma trama um tanto maquiavélica (mas com a melhor das intenções) para que isso ocorra. Essa questão ética é um elemento que lembra bastante Rohmer e seu cinema católico.

Perguntado ao site Alt Film Guide sobre suas inspirações, Emmanuel Mouret disse que seu filme é inspirado principalmente em sua própria vida e que a semelhança com as obras de certos diretores famosos seria acidental. Outra coisa que é citada na entrevista e que vale a pena destacar é o uso da música clássica. Há muito Schubert e Tchaikovski e isso imprime ainda mais beleza ao filme e aos sentimentos dos personagens. Traz também uma espécie de atemporalidade, embora vejamos aspectos que remetem à primeira década do novo milênio, como o uso dos celulares. Por isso, preciso conferir mais filmes de Mouret. Já são dez longas lançados e um está prestes a estrear ainda neste ano.

Agradecimentos à Paula, que aceitou ver o filme comigo, mesmo que à distância, e bater um papo após a sessão.

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