segunda-feira, agosto 31, 2020

QUEEN & SLIM

A morte de Chadwick Boseman na última sexta-feira, 28, foi um baque e tanto, não apenas para cinéfilos e fãs do herói Pantera Negra. O filme da Marvel teve um impacto imenso na sociedade, trazendo uma representatividade negra inédita dentro de blockbusters. E Boseman parte em um ano em que também atua como um símbolo de heroísmo em DESTACAMENTO BLOOD, de Spike Lee. Enquanto isso, os Estados Unidos estão pegando fogo com um presidente racista, assassinatos de negros por policiais e protestos em várias partes do mundo em plena pandemia.

Falar disso antes de falar mais especificamente de QUEEN & SLIM (2019), estreia na direção de longas-metragens da diretora de videoclipes Melina Matsoukas, é importante para nos lembrar do momento em que estamos vivendo. O filme estreou nos Estados Unidos no final do ano passado e teve pouca repercussão, por mais que a dupla de atores esteja ótima. Tanto Daniel Kaluuya quanto Jodie Turner-Smith. Havia um burburinho sobre possibilidades de indicação ao Oscar e uma maior visibilidade ao filme. Uma pena que não ocorreu. Aqui no Brasil, nem chegou aos cinemas, sendo lançado direto em VOD (AppleTV e Looke), sem muito alarde.

Além da bela atuação de Kaluuya e Turner-Smith, o filme de Matsoukas se destaca por uma valorização da estética black, seja na construção das imagens, muito bem cuidadas na fotografia de Tat Radcliffe, que traz um viés muito próprio para a beleza dos corpos, seja na trilha musical sensual e quente. Aliás, vale destacar que o diretor de fotografia também foi o responsável pelo primeiro episódio de LOVECRAFT COUNTRY, nova série em cartaz na HBO. E é impressionante como ambos os trabalhos têm elementos em comum - são quase gêmeos.

Em ambos os trabalhos vemos personagens negros vivendo em um país extremamente racista. E por mais que a série de Jordan Peele e Misha Green se passe na década de 1950, quando havia separações de banheiros para brancos e pretos, espaço reservado nos ônibus para brancos e pretos, QUEEN & SLIM se passa nos dias atuais. Ainda assim, sentimos imediatamente o horror da protagonista ao saber que ter o carro abordado por um policial branco é sim motivo de muita preocupação.

Na trama, Queen & Slim (os nomes reais dos personagens nunca são citados) se encontram pela primeira vez em um restaurante para um encontro via Tinder. "Por que você escolheu este restaurante?", ela pergunta. "O dono é negro", ele responde. Isso já ajuda a nos colocar dentro de um território perigoso, o tal país da liberdade, os Estados Unidos da América. E aí, quando os dois voltam do encontro e de uma conversa não muito animada, eles são parados pelo citado policial. Algo ruim acontece e eles acabam sendo fugitivos da lei, passando pelo vasto território americano e ganhando ares de heróis, já que o policial já havia matado um homem negro antes.

Por mais que o filme não se mantenha tão bom em sua segunda metade e tenha uma conclusão sem muita inventividade, estamos diante de um filme que merece uma maior atenção, tanto por suas várias qualidades, quanto pela representatividade negra e feminina/feminista (a força da personagem Queen, ter uma diretora negra). Além do mais, há cenas que certamente vão continuar firmes na memória, como o momento em que os dois entram em uma festa e são reconhecidos e saudados por várias pessoas. E há também o prazer que road movies costumam trazer ao mostrar as transformações por que passam os personagens ao longo da jornada.

A arte segue sendo uma das formas mais bonitas de resistência.

+ DOIS FILMES (CURTOS)

CARANGUEJO REI

Na falta de INABITÁVEL (2020), o curta que vem chamado a atenção durante o Kino Fórum, que não consegui ver por problemas técnicos, consegui cópia deste trabalho anterior da dupla de diretores, que segue uma pegada de cinema de terror muito interessante. Aqui, a cidade de Recife está sendo dominada por caranguejos por todos os lados, ao mesmo que tempo que um homem de negócios (Tavinho Teixeira, de O CLUBE DOS CANIBAIS) vê seu corpo se transformando a cada dia. É mais um filme de gênero que vem trazendo questões sociais e ecológicas de maneira inteligente. Ótimo uso da fotografia em cenas noturnas. Direção: Enock Carvalho e Matheus Farias. Ano: 2019.

MAURO, HUMBERTO

Gosto muito do doc recente HUMBERTO MAURO (2018), de André Di Mauro, que nos faz sair do cinema bastante impressionados com a genialidade do cineasta pioneiro, a partir da amostra de algumas de suas obras. Este curta de David Neves já havia feito algo muito similar, e com a vantagem de ainda poder entrevistar o diretor, em sua casinha de campo, na maior tranquilidade. Acho curioso o comentário de Glauber Rocha, ao dizer que Mauro seria um precursor do Cinema Novo, como se o Cinema Novo fosse o marco zero do nosso cinema. Mas pode ser implicância minha com o Glauber. No mais, rever a cena do rapaz e da moça no jogo de pega-pega em GANGA BRUTA (1933) é sempre um deleite. Como ele conseguiu captar com tanta beleza, sensualidade e espontaneidade aquela cena? Um absurdo de tão lindo. Ano: 1975.

Nenhum comentário:

Postar um comentário