quinta-feira, agosto 13, 2020

A COR QUE CAIU DO ESPAÇO (Color out of Space)

Com uma carreira bem acidentada, Richard Stanley volta à direção de longas-metragens depois de um longo período apenas trabalhando em curtas, segmentos em longas coletivos e documentários. Hollywood não foi muito gentil com ele depois de demiti-lo no meio das filmagens de A ILHA DO DR. MOREAU (1996), filme que depois foi achincalhado, mesmo tendo o nome de John Frankenheimer como diretor - ele foi o encarregado de dar seguimento às filmagens. Lembrando que Stanley era uma promessa para o cinema de horror nos anos 1990, com filmes como HARDWARE - O DESTRUIDOR DO FUTURO (1990) e O COLECIONADOR DE ALMAS (1992).

Ainda assim, mesmo tendo tanta dificuldade de conseguir entrar novamente em um grande projeto, Stanley seguiu sendo cultuado por parte de fãs do gênero. A boa notícia é que seu novo filme, A COR QUE CAIU DO ESPAÇO (2019), baseado em um conto de H.P. Lovecraft, é muito possivelmente seu melhor trabalho. Não está sendo e não será nada próximo de uma unanimidade, mas é muito bonito plasticamente e tem uma atmosfera de pesadelo crescente bastante envolvente.

Chama a atenção também a participação de Nicolas Cage, ator incansável que só em 2019 tem seis produções com seu nome como ator. Este filme de Stanley é um dos que mais têm a sua cara entre as produções recentes. Ou seja, ele não economiza nos gritos, nos tiques, naquilo que já nos acostumamos a ver. E não chega a atrapalhar nenhum pouco. Cai como uma luva para o filme.

Ele interpreta um pai de família que mora em uma região rural bastante afastada da cidade. mais próxima Esse detalhe é importante para que possamos nos dar conta do distanciamento da família quando o inferno chega. E o inferno chega em cores, em especial na cor-de-rosa bem viva. Quando a família está se preparando para dormir, algo parecido com um meteorito cai no jardim, deixando uma cratera imensa e muitas dúvidas sobre o que se trata. Aos poucos, cada membro da família passa a se comportar de maneira muito estranha.

Apesar da presença de Cage, podemos dizer que a verdadeira protagonista do filme é Madeleine Arthur, uma jovem com poucos títulos marcantes no currículo, mas que aqui demonstra muito carisma. Ela faz o papel da filha de Cage. Na primeira cena do filme, ela está praticando um ritual de magia à beira de um rio quando é flagrada por um rapaz que está passando. Sua intenção é fazer um feitiço para curar definitivamente sua mãe do câncer. Sua mãe é uma mulher frágil e carinhosa vivida por Joely Richardson, e que possui outros dois filhos, um adolescente e um garotinho, cada um deles de importância pontual para a trama. Fazem parte da família também as alpacas que o patriarca cria com muito carinho.

Mas, quem espera algo parecido com uma boa construção de personagens ou diálogos ricos, pode esquecer. Não que os diálogos sejam ruins ou o roteiro seja ruim. É que não parece haver nenhuma intenção por parte de Stanley de fazer um filme com essas bases. Seu maior interesse é na beleza, tanto a beleza das cores artificiais geradas por efeitos visuais quanto a beleza da natureza. E também a beleza dos efeitos gore, que em alguns momentos remetem a O ENIGMA DO OUTRO MUNDO, de John Carpenter, e outros filmes de horror oitentistas.

Em entrevista à revista britânica Sight & Sound, Stanley conta que teve que fazer algumas alterações na adaptação do conto, já que Lovecraft carrega de maneira quase explícita seu racismo e sua misoginia. Quanto aos aspectos niilistas do escritor, eles seguem presentes na adaptação, em especial quando a família vai se desintegrando mais e mais, tornando-se, literalmente, monstros sob o efeito da radiação alienígena.

Stanley também se sente muito grato a Nicolas Cage, um grande fã de Lovecraft. O cineasta afirma que ele foi o homem que restaurou sua fé em Hollywood novamente. Depois do trauma de A ILHA DO DR. MOREAU, poder filmar tudo com tranquilidade, em uma região rural de Portugal, e com todo o apoio dos atores e dos técnicos, e ter um resultado muito tão favorável não tem preço. As coisa foram tão bem que Stanley planeja duas novas adaptações de Lovecraft para breve. Aguardemos.

+ TRÊS FILMES

HOST

Com o tempo que esta pandemia está demorando a ir embora, daqui a pouco teremos um bom número destes filmes de horror que se passam no momento atual. HOST nem é tão original assim - lembrei de AMIZADE DESFEITA, lá do longínquo 2014, mas certamente há outros exemplos. Na trama, um grupo de jovens resolve fazer uma comunicação com uma entidade em uma webconferência via zoom com auxílio de uma médium. As coisas acontecem como se espera que aconteçam nesses filmes. O legal é esperar pela surpresa, pela originalidade. Pelo menos, fica a lição: nada de chamar pelos mortos durante encontros via web. Ainda mais se você não leva a sério a coisa. O filme tem pouco menos de uma hora, mas conto como longa-metragem. Direção: Rob Savage. Ano: 2020.

O SALÁRIO DO MEDO (Le Salaire de la Peur)

Um daqueles casos de filmes imperdíveis, mas que eu, como cinéfilo estava perdendo há muito tempo. A chance de ver no cinema, em cópia remasterizada, foi uma beleza. Interessante o quanto o filme passa de uma crônica divertida e cruel sobre uma sociedade pobre de um país latino-americano para um thriller de causar muita tensão em sua segunda metade. A longa duração nem é sentida. Outra coisa que chama muito a atenção é o modo como Clouzot escala sua esposa para ser uma mulher que sofre terríveis humilhações, o que só aumenta ainda mais a polêmica de sujeito cruel e sádico. Direção: Henri-Georges Clouzot. Ano: 1953.

VOCÊ NÃO ESTAVA AQUI (Sorry We Missed You)

Uma paulada este filme de Ken Loach. Diferente de EU, DANIEL BLAKE (2016), este aqui parece acertar no tom até mesmo quando as desgraças na vida da família se acentuam de modo que sequer acreditamos. Além de tudo, contar a história e comover sem utilização de música já ganha o meu respeito. E o carinho com que ele trata esses personagens sofridos da classe trabalhista para fazer uma crítica do capitalismo da era Uber é sensacional. Mesmo quando determinado personagem pode ser encarado como o grande problema da família, Loach nos lembra que o buraco é mais embaixo. Eu não costumo dizer isso, mas diria que este filme é obrigatório, principalmente para pensar o atual momento político-econômico-social. Filme saído da safra de Cannes-2019.

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