sexta-feira, junho 12, 2020

DR. MABUSE, O JOGADOR (Dr. Mabuse, der Spieler)

Possivelmente o maior dos filmes mudos de Fritz Lang, DR. MABUSE, O JOGADOR (1922) foi um desafio para mim, já que ultimamente ando dando preferência a filmes de menor duração, por causa dos problemas de ansiedade provocados pelo isolamento social. No entanto, ainda que eu tenha visto o filme "em fascículos" durante dois dias (são cerca de quatro horas e meia de metragem), confesso que o prazer superou a dor, a inquietude e o cansaço. Na verdade, é um filme feito como obra de entretenimento para as massas, embora sua sofisticação e a maestria na condução narrativa de Fritz Lang façam toda a diferença. Mas é um filme herdeiro das novelas pulp da época, que tinham um apelo popular muito forte na Alemanha.

O desafio maior nem é do espectador de hoje, que encara um filme silencioso de quase cem anos de idade, mas de Lang, de trazer algo da literatura para uma forma de arte que ainda estava em processo de formação. No entanto, este já era o nono filme dirigido por Lang e já o colocava como o grande cineasta da república de Weimar, ao lado de F.W. Murnau. Mas, embora ele brinque com relação ao Expressionismo Alemão no próprio filme, ao colocar na boca do Dr. Mabuse a fala de que se trata de uma mera brincadeira, a comparação entre o Dr. Mabuse e o Dr. Caligari do filme de Robert Wiene são mais do que apropriadas. Inclusive, há uma cena em comum entre os dois filmes: a do sequestro do corpo de uma pessoa pelo megavilão. No caso de DR. MABUSE, O JOGADOR, a cena do rapto da Condessa Dusy Told.

O filme foi dividido em duas partes, sendo a primeira, "O Jogador", maior em duração, mas bem mais ágil, enquanto a segunda, "O Inferno do Crime", de duração menor, é um pouco mais lenta, talvez pela diminuição do número de personagens importantes presentes na história. Inclusive, isso é um detalhe importante, essa morte massiva de personagens importantes, o que acaba por aumentar o sentimento de quase onipotência do Dr. Mabuse, que além de ser muito sagaz possui também a capacidade de hipnotizar as pessoas, de penetrar em suas mentes e torná-las seus escravos.

É assim que ele consegue sugar muito dinheiro do simpático playboy Edgar Hull, que a princípio parecia ser o principal antagonista do Dr. Mabuse, até a chegada do procurador von Wenk, que ganha protagonismo a partir de sua primeira aparição, com cerca de meia hora de filme.

Um dos recursos mais louvados deste primeiro filme do Dr. Mabuse é sua hábil montagem paralela, que permite o desenvolvimento de múltiplas e simultâneas narrativas. Isso já era uma montagem preferencial das novelas pulp, aliás, e Lang soube transpor para o cinema de maneira brilhante, principalmente levando em consideração a quantidade considerável de personagens da trama.

Outro trunfo do filme está no modo como ele materializa a modernidade da cidade grande, em especial da vida noturna, com as luzes artificiais, os carros, os trens, tudo que enaltecia o progresso urbano. Há, inclusive, várias cenas de perseguição e velocidade envolvendo automóveis que acontecem à noite. Muito do mérito é também do fotógrafo Carl Hoffman, considerado o mágico da luz na república de Weimar.

O jogo de gato e rato da história é bem prazeroso, sendo que se torna muito difícil para o procurador von Wenk, principalmente porque, durante, na maior parte da trama, ele enfrenta um inimigo cuja identidade desconhece. O que o coloca em situação de desvantagem quase sempre. Por isso é tão empolgante o momento do cerco da polícia e do exército à casa do Dr. Mabuse, a cena das escadarias e o resgate da Condessa.

Quanto ao final, ainda que eu tenha ficado um tanto insatisfeito e achado brusco no modo como torna o Dr. Mabuse de um ser quase onipotente a alguém despido de consciência, há uma relação interessante e simbólica de sua nova condição com o fato de estar perto de um grupo de cegos, os cegos que contam seu dinheiro falso. Mas o que mais me chamou a atenção foi o aparecimento dos fantasmas das pessoas que ele matou para lhe atormentar, muito semelhante ao que acontece com o Zé do Caixão em À MEIA-NOITE LEVAREI SUA ALMA, de José Mojica Marins, como se Mojica tivesse sido influenciado por Lang, o que pode ter acontecido, já que ele via muitos filmes, mas certamente é mais provável que isso tenha sido influência dos quadrinhos de horror que ele consumia bastante.

+ TRÊS FILMES

O DESTINO DE UMA NAÇÃO (Darkest Hour)

É legal o início de ano, com os filmes do Oscar mudando um pouco os hábitos dos consumidores dos cinemas de shopping. Ou vai ver é outro público, pois a sala estava lotada e todo mundo caladinho e bem educado vendo um filme não exatamente centrado em ação física. Gary Oldman está gigante, de fato. Oscar merecido. Direção: Joe Wright. Ano: 2017.

LOGAN LUCKY - ROUBO EM FAMÍLIA (Logan Lucky)

Ninguém estava engolindo mesmo a história de aposentadoria de Steven Soderbergh. Mas ainda bem que ele voltou ao cinema. E com um de seus melhores trabalhos. Um muito divertido filme de assalto perpetrado por caipiras. Bem bonitas as referências a John Denver, e bem inventiva a trama. Adam Driver está excelente mais uma vez. Ano: 2017.

SOB CONTROLE (Surveillance)

Na falta de um David Lynch, vamos de Jennifer Lynch, sua filha. E não é que esse filme é uma beleza, mesmo? Um exercício de tensão e de surpresas incrível. A gente pensa que a brincadeira vai ser em torno do que é mostrado e o que é contado, mas a coisa vai mudando de rumo. Há algo de VELUDO AZUL em certo momento. Ano: 2008.

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