Quando vi a primeira temporada de FLEABAG (2016) não entendi tanto o motivo de tantos amarem a série, embora tenha gostado bastante. Ao ver a segunda temporada (2019), depois de quase um ano, foi que a série me ganhou e talvez eu tenha finalmente entendido. Acredito que pelo fato de que, enquanto a primeira temporada é mais centrada na culpa, esta segunda é uma história de amor. E me fez rir muito mais, talvez por eu já ter criado um pouco mais de familiaridade com os personagens e principalmente com a protagonista, mas creio que também pelo fato de Phoebe Waller-Bridge ter azeitado seu trabalho de criadora, roteirista e atriz principal, de modo que tudo ficasse perfeito. Sim, perfeição não é uma palavra exagerada quando se fala deste trabalho único.
Na primeira cena desta segunda temporada, que se passa depois de alguns anos e dias dos eventos da primeira, vemos a protagonista limpando o nariz sangrando em um banheiro. Perto dela, uma moça, no chão, também tem está com o nariz sangrando. Fleabag (Waller-Bridge) olha para a audiência na sua tradicional quebra da quarta parede e nos diz: isto é uma história de amor. Assim, por mais que nos esqueçamos por um momento do que ela falou, já que somos imersos a uma discussão familiar que acontece em um restaurante onde se passa todo o primeiro episódio, aos poucos, ao longo da temporada, lembraremos disso.
Distribuída ao longo de apenas seis episódios que duram menos de meia hora, às vezes pouco mais de vinte minutos, a segunda temporada de FLEABAG tem uma estrutura fragmentada de série de TV mesmo. Poderia sim ser vista como um único filme marcado por capítulos, mas cada episódio tem uma cara própria. Por exemplo, se o primeiro episódio se passa todo dentro do restaurante e mostra uma protagonista um tanto calada por causa de sua fama de causar confusões, tendo como amigos apenas a nós, espectadores, os episódios seguintes serão marcados por outros eventos, como a festa em homenagem a mulheres de negócios organizada por Claire (Sian Clifford), a irmã workaholic de Fleabag, ou aquele mais centrado em flashbacks dolorosos e que nos aprofunda na história da nossa heroína.
Mas o coração desta temporada é sim a história de amor. E como as melhores histórias de amor já criadas, esta lida com um tipo de amor impossível. Se não exatamente impossível, no mínimo, com um tanto de obstáculos. No caso, a paixão que evolui por um jovem padre (Andrew Scott) cujo nome nunca é mencionado, assim como não são mencionados os nomes do pai (Bill Patterson) e da madrasta (a oscarizada Olivia Colman). O padre é apresentado já no episódio inicial. Ele será responsável por presidir a cerimônia de casamento do pai e da madrasta.
Esse padre tem algumas peculiaridades, como falar muito palavrão e beber muito. Essa distinção do que se costuma esperar de um padre é logo posta em cheque. Assim como a natureza antissocial, pelo menos naquele momento, pelo menos diante da família que não gosta tanto assim dela, de Fleabag. E isso talvez tenha atraído a atenção do padre. Tanto é que ele é o único que percebe os momentos em que a personagem fala para a câmera.
Um amigo meu acredita que isso se dá pelo fato de que o padre talvez seja a única pessoa que presta atenção de fato nela. É possível. Mas acreditei, enquanto via os episódios, que isso se dava devido a algum tipo de aproximação com Deus ou com a espiritualidade, algo de metafísico, já que o dom de contar a própria história para um grupo de pessoas enquanto as demais agem como se alheios ao que o destino lhes reserva, é apenas da protagonista, uma espécie, portanto, de deus. Porém, pensar nisso é também pensar no quanto a personagem sofre em não saber dirigir a própria vida, ao fazer tudo errado.
Na antológica cena do confessionário, quando ela diz isso ao padre, quando ela se abre finalmente, mostrando-se humana, demasiado humana, é o momento em que o sacerdote se aproxima dela e corre o risco de sacrificar seu sacerdócio, sua intenção de abdicar do amor de uma mulher (ou de um homem) para amar apenas a Deus, ou algo do tipo. Pela primeira vez, vemos Fleabag apaixonada - e não correndo atrás de sexo casual para aplacar a dor e a culpa -, e o amor apresentado é do tipo avassalador.
E chegamos, então, ao intenso e último episódio, o que apresenta o casamento do pai e da madrasta, embora esse evento seja apenas um pano de fundo para o turbilhão de emoções na vida dos personagens, principalmente Fleabag, Claire e o padre. Embora Phoebe Waller-Bridge seja delicada também o suficiente para não pesar a mão, o aperto que fica no peito nos momentos finais da série é tão familiar a quem já amou, que nem é preciso dizer muito. As poucas palavras, as expressões e as imagens nos bastam.
+ TRÊS COMÉDIAS
MINHA MÃE É UMA PEÇA 3 - O FILME
Temos aqui um filme que é quase que completamente devedor do talento de Paulo Gustavo, corroteirista, junto com a diretora Susana Garcia, e que consegue fazer rir de cenas bem banais, como na cena inicial, fazendo compras na feira. O filme relaxa, por mais que em certo momento a voz histriônica da protagonista tenha ferido um pouco meus ouvidos. Isso aconteceu no primeiro filme também. Mas creio que o problema é comigo. As cenas envolvendo o casamento de Dona Hermínia são muito boas e talvez seja o ponto alto do filme. A sala estava lotada numa quinta-feira. E era apenas uma das quatro salas do multiplex a exibir o filme. É um fenômeno, sem dúvida. Ano: 2019.
AS TRAPACEIRAS (The Hustle)
Impressionante como estragaram o filme original, o ótimo OS SAFADOS, de Frank Oz. Se bem que já faz tanto tempo que vi que não saberia dizer o que há de novidade. Provavelmente é outro filme. Mas isso nem importa muito. O que importa é que há poucos momentos realmente engraçados no filme e isso prejudica e muito o que poderia ser uma comédia divertida. AS TRAPACEIRAS melhora quando entra em cena o personagem de Alex Sharp, um dos protagonistas de COMO FALAR COM GAROTAS EM FESTAS. Direção: Chris Addison. Ano: 2019.
CHORAR DE RIR
Simpático mas bastante irregular comédia sobre comediante de sucesso (Leandro Hassum) que tenta a carreira de ator dramático no teatro e se vê frustrado com o que acontece. Hassum tem o velho problema de não ser sempre engraçado mas aqui o seu papel é próximo do dramático. O bom elenco de apoio ajuda. Direção: Toniko Melo. Ano: 2019.
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