sábado, janeiro 12, 2019

INFILTRADO NA KLAN (BlacKkKlansman)

O retorno de Spike Lee aos grandes holofotes depois de vários anos como um cineasta visto por um grupo seleto de cinéfilos e interessados em questões raciais se dá novamente com um filme de gênero - seu último grande sucesso de público foi O PLANO PERFEITO (2006). Seu novo trabalho, INFILTRADO NA KLAN (2018), é um filme policial com toques de humor baseado no livro de memórias do policial Ron Stallworth, interpretado no filme por John David Washington, filho de Denzel Washington, que foi durante um bom tempo um colaborador assíduo dos trabalhos de Lee.

O que há de extraordinário na história de Stallworth é o fato de ele ter conseguido, sendo ele negro, se infiltrar na Ku Klux Klan em 1979. Claro, ele teria que ter um agente branco em seu lugar. No filme, o agente branco e que na versão de Lee é também um judeu não-praticante é Flipp, vivido por Adam Driver. Stallworth foi o primeiro policial negro de Colorado Springs.

INFILTRADO NA KLAN brinca com o visual dos filmes da década de 1970, trazendo também referências fortes ao blaxploitation, com citações de filmes-chave do movimento, em uma agradável conversa do protagonista com seu interesse amoroso, Patrice (Laura Harrier), uma líder de um grêmio estudantil negro. Curiosamente, Spike Lee prefere não mostrar nada da intimidade física do casal.

Um dos momentos mais fortes do filme acontece quando Stallworth vai infiltrado a uma reunião de um grupo de jovens negros que trouxeram para uma palestra um importante ativista político, Kwame Ture (Corey Hawkins, em papel marcante). A cena é boa tanto pelas palavras do orador quanto pela bela edição, que enfatiza o impacto daquelas palavras para aqueles jovens, sobre ser negro e ser lindo. E Spike Lee toma cuidado para que de fato as pessoas mostradas no filme estejam mesmo muito bonitas, com destaque, obviamente, para Laura Harrier, que além de bela é um exemplo de mulher forte e convencida de suas ideias. O debate que ela tem com Stallworth sobre ter um negro dentro da polícia é interessante.

O que torna INFILTRADO NA KLAN uma obra muito bem-vinda para esses dias tão sombrios e absurdos, com homens perniciosos como Donald Trump, nos Estados Unidos, e agora Jair Bolsonaro, no Brasil, é que a história que Lee conta não é apenas a história do passado dos Estados Unidos, uma história que remonta ao século XIX e a alguns filmes clássicos, como E O VENTO LEVOU e O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO, mas também a eventos recentes, mostrados ao fim da projeção, como que para nos alertar sobre os velhos perigos que têm voltado com um ódio acumulado de décadas. Como diz Renato Russo em uma de suas canções mais pungentes: "Estejamos alertas / Porque o terror continua / Só mudou de cheiro / E de uniforme".

+ TRÊS FILMES

PONTO CEGO (Blindspotting)

Sucesso de crítica no Festival de Sundance deste ano, PONTO CEGO vem engrossar os ótimos filmes que discutem questões raciais nos Estados Unidos. No caso, o tratamento diferenciado que um negro recebe, em comparação com um branco. É um drama com momentos de suspense tão fortes que é difícil não se colocar no lugar do protagonista, em seus últimos dias de liberdade condicional e com um medo terrível de que alguma merda venha a acontecer. Direção: Carlos López Estrada. Ano: 2018.

AS VIÚVAS (Widows)

A direção segura de Steve McQueen mantém sempre o interesse e o filme parece estar quase sempre acima da média - às vezes até bem mais do que isso -, mas tem uma coisa de querer ser um filme de prestígio que me incomoda um pouco, ainda mais quando vira uma espécie de versão pra Oscar de OITO MULHERES E UM SEGREDO. Mas há surpresas boas e momentos muito bons. Ano: 2018.

MY NAME IS NOW, ELZA SOARES

Não sou muito fã de Elza Soares. Na verdade, não conheço direito seu trabalho e nem me sinto atraído pelo pouco que vi. Acho o trabalho da diretora aqui muito harmônico com a personalidade e o tipo de música (ao menos das mais jazz que ela canta), já que o trabalho é de improviso. O problema é que, assim como a minha relação com a cantora, a relação com o filme é de também não me sentir convencido de que estou vendo boa arte. Mas isso pode ser só ignorância minha mesmo, não sei.. De todo modo, gostei da hora que ela canta uma canção do repertório da Núbia Lafayete. Direção: Elizabete Martins Campos. Ano: 2014.

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