terça-feira, janeiro 08, 2019

HISTÓRIAS QUE NOSSO CINEMA (NÃO) CONTAVA

Em PALÁCIO DE VÊNUS (1980), de Ody Fraga, um dos vários filmes mostrados em HISTÓRIAS QUE NOSSO CINEMA (NÃO) CONTAVA, um velho cliente de um bordel pergunta a uma jovem profissional do sexo vestida de colegial o que mais lhe interessa nas histórias. A garota logo responde, em tom desavergonhado: "as sacanagens".

Eis o ponto de partida deste jogo em que a sensualidade e a liberdade sexual do cinema daquele período dão o tom neste trabalho da cineasta Fernanda Pessoa, em que são discutidos política e comportamento no Brasil dos anos 1970.

Logo em seguida, como que apresentando o "elenco", vemos títulos de alguns dos filmes que serão vistos no projeto. Quem conhece pelo menos um pouco desse cinema já fica salivando. Quem não conhece, fica intrigado e interessado em conhecer. Ou pelo menos deveria.

O fato de esses filmes terem sido realizados durante o regime militar é um prato cheio para as cenas que brincam com a perseguição ao comunismo ou com qualquer ideia contrária à do regime instituído. A Copa do Mundo de 1970 e certos ufanismos servem para mostrar a complexidade deste país cheio de contradições. Quantos sentimentos emanam da cena em que um grupo de jovens canta "Eu Te Amo, Meu Brasil", em DEZENOVE MULHERES E UM HOMEM (1977), de David Cardoso?

Mas o mais interessante, além de ver as cenas que mostram o espírito festivo, galhofeiro e malandro do brasileiro, é perceber como o filme vai se costurando bem em eixos temáticos, às vezes inteligentemente mudados a partir de uma simples fala. Assim, entre os temas, há a mistura de classes sociais, a tortura, o abuso do corpo da mulher, o uso da maconha, a maior visibilidade dos grupos gays, a chegada da discotheque, o divórcio, o aborto, a economia, a agitação feminista, as greves e o início da discussão sobre a anistia aos presos políticos.

Tudo isso visto através de filmes considerados por muitos como menores ou vulgares, mas prontos a serem melhor apreciados ou descobertos. É cinema que se alimenta de cinema e que não tem interesse em ser didático, mas de mostrar uma sociedade de outrora que dialoga com essa em que estamos vivendo.

Texto publicado originalmente no jornal O Povo, de 3 de setembro de 2018. Edição de uma versão maior, publicada na revista Movimento #1.

+ TRÊS FILMES

DUAS ESTRANHAS MULHERES


O primeiro segmento, Diana, é o melhor e mais instigante. Além do mais, Patricia Scalvi é sempre um espetáculo. Aqui ela é uma mulher que fica confusa com a dupla personalidade do marido. Baita história. A segunda história apela mais para a nudez gratuita, mas isso não é nada ruim. E há o surrealismo da trama, que é interessante. John Doo tem o seu carisma também. Direção: Jair Correia. Ano: 1981.

FELIZ ANO VELHO

É um filme sobre a perda, mas é impressionante como a maior perda que eu sinto vendo este filme nem é a perda da mobilidade do protagonista, devido a um acidente, mas a perda do amor de sua vida. E sendo este amor vivido por Malu Mader, esse peso se torna ainda maior. Malu era talvez a mais bela atriz brasileira dos anos 80. E sem precisar se esforçar em nada. As cenas em que ele briga com ela e rompe o relacionamento são muito mais dilacerantes que qualquer cena do acidente. Direção: Roberto Gervitz. Ano: 1987.

STELINHA

Finalmente, depois de anos e anos, consegui ver o famoso STELINHA, premiado em um tempo de vacas magras para o cinema brasileiro. O filme tem uma elegância que briga com a carência de recursos daquela virada de década. A história da cantora decadente que encontra um rapaz jovem e se apaixona é triste e um tanto desoladora. Roteiro ótimo do Rubem Fonseca, direção de arte simples e bonita, interpretações muito boas, direção do feria Faria Jr. Só não gostei das partes musicais. Ainda assim, um belo filme. Direção: Miguel Faria Jr. Ano: 1990.

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