quarta-feira, abril 25, 2018

CASA-GRANDE & SENZALA DE GILBERTO FREYRE

A obra de Nelson Pereira dos Santos, morto em 21 de abril último, é admirável não apenas por sua construção e descontrução dos códigos e convenções do que se fazia no cinema brasileiro - como quando ele mostrou pela primeira vez o favelado do jeito que era de verdade em RIO, 40 GRAUS (1955), com sua tradução exemplar de um clássico da literatura, VIDAS SECAS (1963), ou outros tipos de experimentações, como QUEM É BETA? (1972).

Mas a questão que me traz aqui em relação a CASA-GRANDE & SENZALA DE GILBERTO FREYRE (2001) é lembrar o quanto somos devedores de um cineasta que também foi bastante preocupado em contar a História do Brasil através dos filmes. Nesta minissérie feita para a televisão, por exemplo, somos transportados para uma espécie de aula até que bastante didática sobre a nossa História, o nosso povo, uma obra literária e antropológica essencial.

Demora um pouco para nos acostumarmos com o tom de aula de "Telecurso 2º Grau", mas uma vez acostumados com essa opção de dramaturgia, a viagem é de um prazer difícil até de explicar. Temos a chance de assistir a uma aula de um excelente professor, no caso, o Prof. Edson Nery da Fonseca, que nos quatro capítulos em que é dividido o documentário, faz uma mediação entre o espectador e a obra fundamental de Freyre.

Os quatro capítulos recebem os seguintes nomes: Gilberto Freyre - O Cabral Moderno; A Cunhã, Mãe da Família Brasileira; Português, o Colonizador dos Trópicos; e O Escravo na Vida Sexual da Família Brasileira. São, como dá para perceber pelos títulos, dedicados ao próprio Freyre, ao papel mais especificamente da índia, ao português e ao negro. Mais ou menos similar à estrutura que Freyre utiliza para o seu livro.

O primeiro capítulo é bastante revelador de quem foi Gilberto Freyre, sua infância, sua educação em escolas e universidades americanas, seu interesse e paixão pela formação do povo brasileiro etc. O segundo é mais uma porrada em forma de capítulo, ao mostrar como foi a abordagem dos portugueses e sua diferenciação em relação aos norte-americanos, que não se misturaram aos nativos. Ao contrário deles, os portugueses se misturaram e adoraram fazer sexo com as índias. Povoar aquele espaço, inclusive, fazia parte do plano de dominação. As índias também gostavam muito dos portugueses. Mas o que é triste mesmo é ver os maus tratos, o abandono, a chacina e a cena final.

O terceiro capítulo nos leva até Portugal e vai buscar as origens dos portugueses de antes do descobrimento, quando já eram um povo mestiço, com fortes influências dos mouros. É o episódio menos impactante, mas nem por isso menos gostoso de assistir. O quarto episódio, por sua vez, é o mais revelador do título do livro, pois professor e aluna dialogam sobre a rotina de como funcionava a relação entre os senhores e seus escravos. Uma relação baseada em sadismo, masoquismo, transmissão de doenças (sífilis, principalmente), um pouco de dose de generosidade (em comparação com os senhores de escravos americanos, que não deixavam os negros professarem suas danças, costumes e crenças) e também se fala sobre o misticismo.

Enfim, falar sobre este documentário de Nelson Pereira dos Santos pra quem ainda não viu é só dar um gostinho do que o espectador pode experimentar. E lembrar mais uma vez o quanto somos devedores desse cineasta tão cheio de amor por nossa História, nossa cultura e nossa gente, e que, durante sua longa trajetória, contou essa nossa História das mais variadas maneiras. Sorte nossa. Nunca haverá um cineasta como Nelson Pereira dos Santos.

+ TRÊS FILMES

MEU CORPO É POLÍTICO

É um filme simples e que nos conquista aos poucos, cujos personagens vão ganhando força à medida que eles vão se incorporando a um todo coeso. No começo, não parece ser. E no começo me incomodou um pouco o discurso muito direto, quase didático, em especial de um personagem transexual. Direção: Alice Riff. Ano: 2017.

A LUTA DO SÉCULO

Incrível como não sabia nada nem do filme nem dos lutadores. E é até melhor assim, pois as surpresas são maiores. Dá pra rir e dá pra ficar comovido com a história desses homens que passaram a vida se odiando e tendo a chance de ir ao ringue diversas vezes. Direção: Sergio Machado. Ano: 2016.

PAULISTAS

Dentro da categorias desses documentários que tencionam borrar a linha com a ficção, este é um dos que menos me agradou e o que mais parece não ter dito a que veio. Se é para ser um retrato de um espaço de abandono dos jovens e de desolação, o que trouxe pra mim foi só tédio. Melhor rever RIFLE, que tem alguma semelhança e é muito mais bem-sucedido nesse quesito. Direção: Daniel Nolasco. Ano: 2018.

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