Já há tantos filmes sobre Jesus que atualmente os realizadores se sentem na obrigação de mudarem um pouco o foco, o ponto de partida, o recorte ou mesmo o ponto de vista. Temos o caso recente de ÚLTIMOS DIAS NO DESERTO, de Rodrigo García, que fazia um recorte do período em que Cristo combateu as tentações durante sete dias, em jejum. MARIA MADALENA (2018), de Garth Davis, é um pouco mais ousado em sua proposta: quer contar a história pelo ponto de vista de Madalena.
É interessante como, até os dias de hoje, a imagem de Maria Madalena ainda é associada a uma prostituta. Ou, no mínimo, a uma mulher com uma sexualidade muito forte. O próprio filme de Martin Scorsese, A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO, em sua adaptação do romance homônimo de Nikos Kazantzákis, mistura a personagem de Madalena com a mulher que seria apedrejada e é salva pelo Nazareno.
Por isso causa estranheza ver uma Madalena até mais ativa em servir ao mestre do que os apóstolos Pedro (Chiwetel Ejiofor) e Judas (Tahar Rahim), para citar os dois que mais aparecem na narrativa. Rooney Mara está ótima como uma Madalena que acredita ser possuída por demônios - seus familiares acham que são os demônios que a impedem de querer se casar com um forte pretendente. Como ela não nutre amor pelo homem, quer mesmo é seguir aquele estranho e intrigante profeta que tem arrebanhado cada vez mais pessoas por onde passa.
Demora um pouco para aceitarmos Joaquin Phoenix como Jesus, mas aos poucos sua imagem como Cristo se torna até interessante. Inclusive nas escolhas do filme em mostrá-lo sorrindo, junto com Madalena, em cenas que compartilham juntos. Passa uma leveza que normalmente não se vê em obras que tratam da vida de Jesus. Embora haja cenas da crucificação, elas são rápidas, o que não quer dizer que não sejam dolorosas.
O que também impressiona é o diferencial no que se refere à ressurreição de Jesus, trazendo dúvidas sobre seu real e material ressurgimento do sepulcro. Afinal, ele aparece apenas para Madalena e é ela a portadora da boa nova, de que Jesus vive. Ao que parece, o filme não optou por ser fiel ao evangelhos canônicos, sendo mais próximo dos evangelhos apócrifos.
Algo que fica no ar é um certo clima de amor romântico não consumado que parece haver entre Madalena e Jesus. Porém, este tipo de impressão pode dizer mais do espectador do que filme em si, já que não é de maneira nenhuma explicitado. Talvez a impressão fique por causa da beleza esplendorosa de Rooney Mara, de seu olhar e de seu sorriso, ao olhar para o mestre. Longe de trazer volúpia, mas sim uma figura cheia de energia e amor, o que pode confundir. De todo modo, esse tipo de confusão está de acordo com certo diálogo entre Pedro e outro apóstolo: os dois acreditam que a entrada de Madalena no corpo de apóstolos não seria bom para o grupo.
Quanto à narrativa, é bom termos um filme narrado sem pressa, sem um particular interesse em conquistar um grande público. É um trabalho quase sensorial, no modo como brinca com a luz e com os olhares e os diálogos lentos dos personagens. MARIA MADALENA pode até não ser um grande filme, mas certamente está bem longe de ser uma obra ordinária ou esquecível, e ainda tem como vantagem o fato de dialogar com o atual momento de empoderamento feminino.
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