segunda-feira, fevereiro 12, 2018

O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO (The Killing of a Sacred Deer)

O trabalho do cineasta grego Yorgos Lanthimos não é apreciado por tantos - basta ver a quantidade de pessoas indignadas no IMDB e dispostas a jogar pedra no seu mais recente filme. Embora já tenha seis longas-metragens prontos em seu currículo e um outro já pronto para ser lançado ainda este ano, foi com O LAGOSTA (2015) que o diretor grego chamou atenção mundialmente com aquela que talvez seja a comédia romântica mais estranha já feita.

Os filmes do diretor na verdade são inclassificáveis, mas se a história de um homem que vai se transformar em um animal (uma lagosta) simplesmente por não ter conseguido uma namorada ou uma esposa pode ser vista como um romance, O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO (2017), se aproxima mais do horror.

E nesse sentido, é um dos mais assustadores filmes de horror já feitos neste milênio. Pode ser uma afirmativa exagerada, mas não creio que seja. Talvez o segredo para ver o filme seja estar totalmente livre de expectativas, ver a obra sem saber nada a respeito. Claro que, por não ser exatamente um filme agradável, alguns espectadores podem, literalmente, fugir correndo da sala de cinema, como eu cheguei a presenciar na sessão em que participei.

É uma pena que seja uma obra que, ao ser lançada no meio da temporada do Oscar, acabe passando batido por muitos. E certamente não ficará muito tempo em cartaz. Ainda assim, é melhor do que não ter passado no cinema, como foi o caso de O LAGOSTA. Trata-se de um filme especial, desses que ficam com o espectador ao final da sessão e por alguns dias ainda, com suas imagens poderosas, estranhas e muitas vezes aterrorizantes.

A primeira imagem de O SACRIFÍCIO DE UM CERVO SAGRADO é a de um grande close na cirurgia de um coração. Trata-se de uma imagem real de uma cirurgia que foi aproveitada para o filme. O protagonista, Dr. Steven Murphy (Colin Farrell), é um cirurgião cardiologista. Ao término de uma cirurgia de rotina, ele anda com um colega pelos corredores do hospital e conversa sobre um relógio bonito. "Onde o comprou?", pergunta ele. Mais tarde saberemos de seus encontros estranhos com um garoto de 16 anos (Barry Keoghan, que já tem um rosto um tanto incomum e por isso se encaixa perfeitamente com o personagem).

A princípio não sabemos do que se tratam esses encontros do médico e esse rapaz. Haveria ali uma espécie de relacionamento impróprio, por assim dizer? Chama a atenção também o tipo de dramaturgia em que as falas dos personagens são despidas de emoção, algo já visto em O LAGOSTA. Trata-se de um tipo de trabalho que lembra bastante o uso de modelos no trabalho de Robert Bresson, que nas entrevistas é tido como uma das grandes influências do cineasta grego.

As estranhezas chegam também em casa, com a esposa (Nicole Kidman) alimentando uma das taras do marido: fingir que está imobilizada em anestesia geral para que ele possa desfrutar dessa fantasia aparentemente recorrente. Yorgos Lanthimos segue, assim, mantendo a atenção do espectador cada vez mais em alta. Inclusive pela utilização de uma trilha sonora que aos poucos vai se tornando perturbadora, principalmente a partir do momento em que um dos dois filhos de Steven afirma não conseguir se levantar da cama, teria perdido a mobilidade dos membros.

É quando as respostas para isso surgem em uma conversa com o incômodo Martin, o garoto de 16 anos, que àquela altura já havia visitado a família de Steven e feito o médico visitar sua mãe (Alicia Silverstone, em uma única mas marcante sequência). As respostas para esse pesadelo que se transformou a vida do cirurgião seriam dadas em poucos segundos, a ponto de o espectador ficar não apenas aterrorizado, mas também desnorteado. Mais uma vez, Lanthimos trabalha com o tema da punição, e o que acontece a seguir é impressionante.

Imagens das cenas seguintes, de tão bizarras - algumas delas chocantes - certamente ficarão presentes na memória de muitos espectadores, mesmo aqueles que sairão da sessão com um pouco de raiva do filme. O ar de tragédia, segundo consta em vários textos sobre o filme, é inspirado no mito de Ifigênia, filha de Agamemnon. Segundo o mito, Agamemnon teria que sacrificar a própria filha por ter matado um cervo em uma floresta. Tragédia grega, horror arrepiante, Bresson e o que muitos dizem ser uma imaginação saída de uma mente doentia são alguns dos ingredientes para a construção deste espetáculo singular e perturbador que é O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO.

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