Ter visto apenas cinco filmes de Kenji Mizoguchi é muito pouco, se pensarmos em uma carreira longa, que inclui vários filmes da época do cinema mudo, provavelmente alguns perdidos, mas se pensar que em 2016 pude ver quatro filmes deste fantástico cineasta, já é motivo para comemorar. Até porque cada filme visto é uma descoberta de uma nova joia. Pela amostragem até então feita por mim, todos os filmes vistos eram todos dos anos 1950, sua última década de vida e a década com mais filmes cultuados.
E como neste período sua tendência era a criação de filmes que explorassem a tragédia de uma maneira mais intensa e exacerbada, não deixa de ser feliz e mais suave poder ver AS IRMÃS DE GION (1936), que tem um registro mais leve, embora seja mais uma obra que lida com sensibilidade com o drama das mulheres na sociedade japonesa. Em especial o drama das gueixas, que seria visto com muito mais tristeza e desencanto em A VIDA DE O'HARU (1952). Como meu conhecimento da obra de Mizoguchi é ainda muito restrito, acredito que ainda vou topar com outros filmes que abordam a situação da gueixa.
Mas uma coisa já podemos dizer: em 1936 Mizoguchi já era o cara! Em AS IRMÃS DE GION (1936), a trama até lembra um pouco os romances de Jane Austen, só que transposta para o mundo das gueixas. E a personagem mais fascinante é justamente a gueixa manipuladora, a irmã mais jovem das duas, a mais bonita. A outra, um pouco mais apagada e triste, se deixa levar pelo amor que sente por um velho homem falido. A trama é contada de maneira breve e é impressionante. Há também umas tomadas bem ousadas, um pouco longas e cheias de força e significado. Por isso, desde o começo há sempre a impressão de que estamos vendo algo muito especial. E de fato estamos.
A marcante fala final da personagem mais jovem, Omocha (Usuzu Yamada), sobre o absurdo de existir a profissão de gueixa, depois de ela passar por uma situação terrível, é certamente a expressão de uma indignação do próprio cineasta, que nunca se conformou com o fato de terem vendido sua irmã para uma casa de gueixas quando a família estava passando por uma situação financeira muito delicada. O tratamento brutal de seu pai com sua mãe e sua irmã também foram fundamentais para que ele defendesse sempre as mulheres em seus filmes. Sentimos esse amor e esse cuidado em cada um de seus filmes, mesmo aqueles em que os protagonistas são principalmente os homens.
Em AS IRMÃS DE GION há espaço para o amor para as duas irmãs retratadas. Por mais que a mais velha, Umekichi (Yôko Umemura), possa seja julgada como boba por boa parte da plateia pelo seu total desapego ao dinheiro e total amor por um homem que nada tem a lhe dar de conforto, já que está falido financeiramente, não é assim que Mizoguchi a apresenta, embora sua melancolia diminua bastante sua luz e a personagem da irmã mais nova, cheia de truques para ser esperta em um mundo de homens, seja muito mais fascinante. Devia já ser nos anos 1930, continua sendo nos dias de hoje. Quanta beleza esse cineasta foi capaz de extrair em forma de arte de seu sofrimento pessoal e de sua empatia com as mulheres.
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