sábado, junho 24, 2017

AO CAIR DA NOITE (It Comes at Night)


E temos um belo e fresco filme sobre o fim do mundo como o conhecemos, um mundo devastado por uma doença contagiosa e mortal. Não é novidade o tema, mas é novidade o modo como a história é contada. Na trama, só o que conhecemos é uma pequena família. Depois um outro personagem adentra a casa e uma nova família é apresentada. Novamente o diretor Trey Edward Shults, de KRISHA (2015), trata de estruturas familiares.

AO CAIR DA NOITE (2017) se distancia do que normalmente se vê de mais vulgar no gênero. Há muito pouco gore e os sustos são bem discretos. É um filme que não se apoia em sustos, aposta na atmosfera, no medo do desconhecido, no que está escondido na floresta, no que está invisível aos nossos olhos, mas visível aos olhos dos personagens, como é o caso de algo que Travis (Kelvin Harrison) vê e a câmera nos nega a visão. Os pesadelos de Travis, sua natureza, são baseados naquilo que lhe impressiona: os medos, os desejos, os traumas.

Uma das primeiras cenas é extremamente cruel. O avô moribundo, pai de Sarah (Carmen Ejogo), é levado em um carro de mão para ser abatido e enterrado longe, na floresta. O neto Travis está junto com o pai, Paul (Joel Edgerton), o chefe da família que toma medidas desesperadas para manter a si e os seus vivos diante naquele cenário de fim de mundo.

Esse tom mórbido e apocalíptico contrasta com a beleza das imagens (seja dos exteriores, seja de interiores), tão bem enquadrados pela câmera de Shults. Mesmo quando não há nada no fundo, apenas a escuridão, como na cena do primeiro jantar sem a presença do avô, até a escuridão funciona como um trabalho de direção de arte admirável. Mais adiante, de dia, teremos vislumbres da casa, que possui uma intrigante porta vermelha, que se destaca do restante da mobília.

Há uma cena exterior digna de nota: Paul leva Will (Christopher Abott) à bordo da caminhonete para buscar a mulher e o filho pequeno para morarem juntos com sua família. Mas o clima de tensão faz com que Paul fique constantemente olhando para Will no retrovisor da caminhonete. O que se segue a seguir é quase esperado, mas é adicionado a algo mais, que serve para mostrar um pouco daquele mundo sem amigos e com racionamento de água e alimentos. Quase um THE WALKING DEAD, mas sem zumbis.

Cada cena de AO CAIR DA NOITE tem a sua importância, em um filme em que pouca coisa de fato acontece: não há monstros ou coisas do tipo. Mas é justamente por isso que o segundo filme de Shults é cheio de tanta classe, já que tem um pé no arthouse, embora já distante do drama tenso KRISHA. É cinema de gente grande, desses que restabelece a fé na renovação do gênero horror.

Quanto às últimas cenas, um spoiler, quem prestar atenção nas mudanças de janela vai perceber que são semelhantes às janelas usadas nos pesadelos de Travis. O que pode significar que aquilo tudo, aquela série de cenas mais movimentadas, é um pesadelo do rapaz que tomou conta da realidade (uma ideia interessante). Porém, há algo que desmonta ou perturba essa teoria, o que também eleva AO CAIR DA NOITE a forte candidato a melhor filme de horror do ano. E em um ano que já teve CORRA!, de Jordan Peele.

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