domingo, maio 28, 2017
SETE FILMES VISTOS NO FESTIVAL VARILUX DE 2016
A edição do ano passado Festival Varilux de Cinema Francês foi uma das melhores, se não a melhor em termos de quantidade de ótimos filmes vistos. E o curioso é que boa parte desses filmes não são de cineastas cultuados ou renomados. São nomes relativamente novos e de menor expressão. Se em 2016 estava assim, este ano promete ser ainda melhor. Veremos. Enquanto isso, falemos um pouco destes sete filmes que deveriam ter tido mais espaço ao longo do ano no blog, mas que acabaram, por um motivo ou outro, ficando de fora.
CHOCOLATE (Chocolat)
O filme que abriu o festival, CHOCOLATE (2016), quarto longa-metragem de Roschdy Zem, tem como principal força a presença e o carisma de Omar Sy, como o primeiro artista de circo negro da França. A história de Rafael Padilla, que ficou conhecido como o palhaço Chocolat nos últimos anos do século XIX, é bem comovente. Descoberto por um artista de circo britânico, George Footit (James Thiérrée), ele e Footit tiveram dias de glória e sucesso como uma dupla na Paris da Belle Epoque. Mas a questão racial vem à tona, assim como o fato de que Chocolat sempre interpretava o sujeito que apanhava nos espetáculos, o que acabou o incomodando, assim como também sua vontade de alçar vôos maiores e provar que podia ser também um grande ator. A história de decadência, amizade, fortuna acaba com um gosto bem amargo, mas isso só torna o filme ainda mais forte.
MARGUERITE
Catherine Frot ganhou o César de melhor atriz em 2016 por seu papel em MARGUERITE (2015). Na verdade, a personagem Marguerite Dumont é uma construção fictícia em cima da britânica Florence Foster Jenkins, que ganharia um filme próprio quase na mesma época, dirigido por Stephen Frears: FLORENCE – QUEM É ESTA MULHER?. Mas o sexto longa-metragem de Xavier Giannoli tem o seu brilho todo próprio, até por ser menos cômico e mais trágico do que a versão de Frears da história, embora ambos tenham em comum sua parcela de tragicidade. A personagem é convencida de que é uma boa cantora, mas as pessoas só querem tirar proveito de seu dinheiro, e ainda por cima escarnecer de sua voz e do ridículo da situação. Há um cuidado com a direção de arte que chama a atenção no trabalho de Giannoli.
UM HOMEM, UMA MULHER (Un Homme et un Femme)
O clássico do festival do ano passado foi UM HOMEM, UMA MULHER (1966), de Claude Lelouch, Eu, particularmente, fiquei um tanto decepcionado com o filme, embora admita que se trata de uma obra que tem sim o seu charme. Gosto principalmente das cenas que não economizam diálogos entre os dois amantes. É quando o filme mais dialoga com o cinema contemporâneo. Mas o excesso de vezes em que a canção-tema toca e mais algumas cenas que parecem pouco expressivas para a construção do romance do casal acabam prejudicando um pouco. De todo modo, foi muito bom poder ver este filme, em cópia restaurada, no cinema.
VIVA A FRANÇA! (En Mai, Fais Ce Qu'il Te Plaît)
Quarto longa-metragem de Christian Carion, VIVA A FRANÇA! (2015) é mais um bom drama de guerra que fala sobre a resistência francesa nos tempos terríveis da Segunda Guerra Mundial. Neste filme, vemos o começo da invasão alemã no território francês e a imagem dos aviões avançando pelos céus talvez seja um dos momentos mais memoráveis, embora o drama mesmo aconteça nos momentos seguintes, quando inocentes são assassinados por soldados nazistas. O filme se passa em espaços rurais e se concentra em personagens que resolvem contrariar as ordens do governo francês e fugir para outros lugares, abandonando seu vilarejo. O personagem principal, porém, é o de um alemão refugiado na França, e que justamente por isso acaba correndo perigo. O fato de ele se perder de seu filho pequeno contribui para a força do drama. Há trilha do mestre Ennio Morriccone, produção caprichada, mas parece faltar algo para que seja o grande filme que almeja.
AGNUS DEI (Les Innocentes)
A diretora Anne Fontaine já havia comparecido ao Festival Varilux com alguns bons filmes, COCO ANTES DE CHANEL (2009) e GEMMA BOVERY – A VIDA IMITA A ARTE (2014). O novo trabalho, AGNUS DEI (2016, foto), é mais ambicioso. E talvez até mesmo seja o seu melhor filme, embora não tenha visto os demais. O próprio ponto de partida já é bastante curioso: dezenas de freiras polonesas aparecem grávidas em 1945, logo após o fim da Segunda Guerra. Ficamos logo sabendo que todas elas foram vítimas de estupro por parte de soldados do exército russo. O filme faz uma investigação cuidadosa do estado psicológico delicado, já que, além de terem passado por uma situação obviamente traumática, ainda há questões relativas à religião, à dificuldade de exposição do corpo, até mesmo para a enfermeira da Cruz Vermelha, muito bem interpretada por Lou de Laâge, que é chamada para atender àquelas mulheres religiosas. Há um momento especialmente bem emocionante.
LA VANITÉ
Provavelmente o filme que mais foge do convencional dentre os exibidos no Festival, LA VANITÉ (2015), de Lionel Baier, nos apresenta a um microcosmo habitado por um homem que deseja pôr fim à própria vida (Patrick Lapp), uma mulher destinada a executar o serviço (Carmen Maura) e um garoto de programa (Ivan Georgiev). O minimalismo do local contrasta com a complexidade da psicologia dos personagens e o modo criativo com que a história evolui. Sem falar no cuidado no uso das cores nos ambientes internos e até mesmo externos, claramente artificiais, feitos em estúdio. Embora seja um filme que lide com a questão da valorização da vida vs. desencanto, isso nunca é simplificado ou banalizado, o que só eleva o filme cada vez que pensamos nele.
A VIAGEM DE MEU PAI (Floride)
Na época de sua exibição no festival, A VIAGEM DE MEU PAI (2015), de Philippe Le Guay, foi exibido com o título de “Flórida”, tradução direta do título original. Trata-se de um dos belos exemplares do quanto o cinema francês sabe equilibrar a comédia do drama como poucas cinematografias conseguem. Ou seja, ver A VIAGEM DE MEU PAI, ao mesmo tempo que é um exercício muito gostoso, é também um estudo de personagem admirável, especialmente pela presença brilhante do veterano Jean Rochefort, um homem de 80 anos de idade que é cuidado pela filha (Sandrine Kiberlaine) e que tem o hábito de enxotar as enfermeiras e mulheres contratas para cuidar dele. Claramente com problemas de memória e outros que surgem com a idade, esse senhor tem a ideia fixa de visitar a filha ausente na Flórida. De certa forma, acaba conseguindo viajar. Belo filme do diretor de PEDALANDO COM MOLIÈRE (2013).
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