segunda-feira, março 13, 2017
SILÊNCIO (Silence)
Sabe aquelas vezes em que pedimos algo a Deus e tudo o que ouvimos é silêncio? É mais ou menos sobre isso o novo filme, dessa vez mais explicitamente católico, de Martin Scorsese. Aqui sofrimento é maior. Há quem esteja chamando o filme de “A paixão de Martin Scorsese”, tanto pelo sofrer que o filme mostra em sua longa duração, quanto pela trajetória dura percorrida pelo filme, injustiçado e esnobado nas premiações, um raro filme deste que é um dos maiores cineastas em atividade que não teve uma repercussão pelo menos decente. Acabou recebendo injustamente o silêncio de muitos em retorno.
SILÊNCIO (2016) é o filme do cineasta ítalo-americano que mais se aprofunda na fé, aproximando-se apenas de A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO (1988) e um pouco também de KUNDUN (1997), em sua filmografia. Mas aqui a questão da fé é posta mais em evidência, os próprios personagens, principalmente o protagonista, vivido por Andrew Garfield, está o tempo todo vivendo provações e questionando os seus atos e pensamentos. E em meio a esses momentos também ficamos ora nos sentindo tentados pelo demônio (como em uma cena chave com Liam Neeson), ora achando que morrer por causa de um símbolo é uma estupidez.
A imagem é um elemento essencial em SILÊNCIO. Por isso é um filme mais direcionado aos católicos do que aos demais cristãos, que não são ligados em cruzes, rosários, fotos de santos ou coisas do tipo. E não deixa de ser, justamente por isso, mais associado ao cinema. Na trama, dois missionários portugueses, Rodrigues (Andrew Garfield) e Garupe (Adam Driver), partem em uma missão, por espontânea vontade, em busca de um padre que teria renegado a fé e teria desaparecido em uma época em que os japoneses começaram um processo de matar todo e qualquer praticante da fé cristã.
Não deixa de ser emocionante quando, ao desembarcar em uma comunidade na região costeira, encontram um grupo de cristãos praticantes que vivem como os cristãos primitivos perseguidos pelo Império Romano. Os portugueses são recebidos como santos e muito queridos por aquele povo tão carente da fé que professavam, mesmo sabendo que poderiam ser assassinados brutalmente se fossem descobertos. E compartilhamos da surpresa dos dois portugueses recém-desembarcados.
Claro que Scorsese não faria um filme tão unilateral. Em boa parte das vezes, os japoneses caçadores de cristãos são vistos como vilões, mas há uma discussão interessante sobre a questão da verdade em certo momento. Será ela única e exclusiva, como diz o Padre Rodrigues, que não vê a entrada do Cristianismo em uma nova nação como o começo do fim de toda uma cultura milenar, como aconteceu em tantos outros países que abraçaram a fé cristã?
De todo modo, ainda que sejamos apresentados brevemente a alguns conceitos budistas, acerca da ilusão, como no diálogo com um guarda japonês, o filme é mesmo sobre o sofrimento daquele padre sendo obrigado a rejeitar a sua fé e ver dezenas de pessoas morrerem por sua causa. Eis a transferência da culpa, tão comum nos filmes de grandes cineastas católicos, e que aqui se apresenta de maneira pura. Como não ver com um misto de tristeza e alegria a morte daqueles três japoneses que são torturados e mortos no mar, sendo que um deles canta um louvor a Deus antes de dar o último suspiro?
Difícil não fazer uma comparação com o mais recente filme de Mel Gibson, ATÉ O ÚLTIMO HOMEM, também estrelado por Andrew Garfield, que pesa muito a mão ao mostrar o heroísmo pacífico de um homem. Além de Garfield estar muito melhor em SILÊNCIO, o filme de Scorsese é muito mais arriscado e rico em sua proposta de cinema, trazendo à tona também a beleza das imagens. Em meio à dor daqueles personagens, há uma cena de um barco no meio da noite escura e vemos lindas estrelas no céu; em outro momento, uma lua enorme surge do lado esquerdo, como que para mostrar as belezas da criação, ainda que o silêncio de Deus diante de tudo o que acontece seja de fato incômodo.
Como todo trabalho de Scorsese, não há espaço para a alegria na trajetória de seus personagens. Há sempre um gosto bastante amargo no final. E assim testemunhamos a jornada de seu herói, que se sente tão ou mais pecador quanto aqueles que o rodeiam. O final do filme é desses que ficam nos assombrando por horas. E basta pensar nele de novo para sentir a angústia daquele homem. Chorar? Talvez não. Como na maioria dos filmes de Scorsese, o choro é substituído pelo aperto no peito e o engolir em seco.
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