domingo, fevereiro 19, 2017
MANCHESTER À BEIRA-MAR (Manchester by the Sea)
Filmes sobre pessoas vazias e que vivem suas vidas como pedaços de madeira levados pela correnteza existem aos montes. E a grande maioria desses filmes apela para sentimentalismos. Embora isso não seja um problema pode tornar certos títulos um pouco ordinários e às vezes esquecíveis. MANCHESTER À BEIRA-MAR (2016), de Kenneth Lonergan, opta por um registro mais sutil e seco no desenvolvimento dos personagens, que nos são apresentados de forma lenta e gradual, muitas vezes através de flashbacks que revelam bastante de suas vidas e seus dramas.
O filme conta a história de Lee (Casey Affleck), um zelador e faz-tudo de condomínios que leva a vida de maneira como se quisesse ser um anônimo, ao mesmo tempo em que também não se esforça para que sua vida melhore, seja do ponto de vista afetivo ou financeiro. Lee se autossabota e se flagela, através de brigas em bares provocadas por ele mesmo.
Mas de onde vem a culpa do personagem? O que o leva a agir assim? São perguntas que podem ou não surgir a princípio, mas que vão ecoando mais forte quando ele se sente forçado a voltar para sua cidade natal, Manchester, pois seu irmão está prestes a morrer de um ataque cardíaco. Chegando lá, o irmão já está morto, e ele terá que cuidar dos ajustes do funeral, bem como dos espólios e do testamento, assim como do filho adolescente do irmão (Lucas Hedges). No testamento, ele é escolhido para ser seu tutor, coisa que ele não recebe muito bem.
Lee é um sujeito que ficou lendário em sua cidade por algo que aconteceu no passado. Quando descobrimos o motivo, vemos o quanto esse personagem carrega um peso terrível em seu espírito e passamos a nos solidarizar com ele, embora o fato de o filme possuir um registro mais próximo do de certos autores europeus do que de melodramas tradicionais possa mudar bastante o modo como cada espectador veja ou sinta a obra.
É importante lembrar que estamos diante do filme do mesmo diretor de CONTE COMIGO (2000) e de MARGARET (2011), uma obra-prima que teve uma trajetória de lançamento tão complicada que acabou ficando praticamente desconhecido da audiência. MANCHESTER À BEIRA-MAR tem um pouco das características dos seus dois filmes anteriores. Herda o interesse pelas questões familiares tratadas de maneira delicada como no primeiro filme, ao mesmo tempo em que tem um ar de tragédia e história sobre culpa, contada de maneira muito peculiar como no segundo. Há, por exemplo, o uso de uma trilha sonora que contrasta com o silêncio mais presente, muitas vezes de maneira desconcertante, como quando ouvimos o "Adágio em sol menor para órgão e cordas", de Tomaso Albinoni.
O filme também tem o mérito de não mostrar nenhum dos personagens como heróis ou vilões. São os próprios personagens que escolhem, cada um à sua maneira, o que devem fazer para remediar ou esquecer aquilo que fizeram no passado, como o próprio protagonista, ou a personagem da ex-esposa, vivida por Michelle Williams, ou a cunhada, vivida por Gretchen Mol, ou mesmo o garoto, que tem um comportamento que pouco se aplica a alguém que acabou de perder o pai, mas que também não deve ser julgado pela audiência por isso. Enfim, são personagens vistos como seres humanos complexos.
É o tipo de filme rico o suficiente para pedir uma revisão para breve, para que suas qualidades e seus detalhes sejam melhor admirados e ressaltados, dessa vez mais distantes da expectativa que se tem de ver uma obra-prima logo de cara, graças à excelente recepção que tem recebido entre os críticos mais exigentes. Isso às vezes prejudica um pouco o modo como vemos os filmes.
MANCHESTER À BEIRA-MAR recebeu seis indicações ao Oscar, nas categorias de filme, diretor, ator (Casey Affleck), ator coadjuvante (Lucas Hedges), atriz coadjuvante (Michelle Williams) e roteiro original.
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