sexta-feira, janeiro 13, 2017

SIERANEVADA























Um privilégio poder ver SIERANEVADA (2016) no cinema. Em casa certamente o impacto e o prazer misturado com o incômodo não seriam os mesmos. E o engraçado é que este quinto longa-metragem de Cristi Puiu, mais conhecido por A MORTE DO SR. LAZARESCU (2005), promove uma série de sentimentos contraditórios em nossa relação com ele. Se por um lado, é incômodo ficar posicionado no meio de um corredor de uma casa com portas que se fecham e abrem de um lado e de outro, é ao mesmo tempo fascinante poder ir desvendando e conhecendo aquelas pessoas estranhas.

Assim, uma vez que entendemos o jogo de Puiu, cresce então uma relação de prazer com o filme, a ponto de ficarmos sorrindo ao olhar para a tela, durante situações não muito confortáveis, como a citada acima. A câmera fica no corredor, coisas acontecem em diversas partes da casa e o espectador fica um tanto perdido e se perguntando o que está acontecendo.

A câmera estilo voyeur, se não nos coloca muitas vezes em uma posição privilegiada, acaba fornecendo uma forma em que o objeto mostrado é muito mais interessante do que se acompanhássemos tudo da maneira mais tradicional, com plano geral de apresentação do espaço, seguido de planos de pessoas mais de perto e depois com uso de close-ups e campo e contracampo. É o padrão usado nas telenovelas e na maior parte dos filmes americanos.

Como cinema de gente grande que é, SIERANEVADA também promove discussões políticas ao mesmo tempo acaloradas e muito espirituosas no modo como elas são tratadas, como é o caso das opiniões contundentes do rapaz que duvida da versão oficial do ataque às Torres Gêmeas no 11 de setembro, ou da velhinha comunista, que, como boa ativista, ainda acredita que o velho sistema político adotado na Romênia na época da Guerra Fria era muito bom, sim senhor. No meio do debate, há aqueles que ficam em cima do muro ou estão abertos a novos pontos de vista, contanto que baseados em algo sólido.

Mas o que mais é enfatizado no filme é mesmo o jogo de relações humanas que se promove naquele espaço, uma casa cheia de familiares prontos para o aniversário de morte do patriarca e um padre ortodoxo que demora tanto a chegar que faz o filme parecer uma versão atualizada de O ANJO EXTERMINADOR, de Luis Buñuel. E essa demora do padre acaba gerando desgastes na família, que vem passando por situações bem complicadas. O atrito cresce ainda mais com a chegada de um dos homens da família, que acaba não sendo bem recebido por ter aprontado com a esposa e ter mexido com seus sentimentos.

Na verdade, não acontece nada de anormal no retrato de família que é mostrado em SIERANEVADA. As discussões são muito comuns, tornando-se tão universais que até parece que estão filmando a nós mesmos, passando uma sensação de verdade escancarada para o espectador. E isso Puiu consegue através do seu realismo às vezes incômodo e de sua câmera que sabe muito bem quando se afastar e quando se posicionar bem próximo dos personagens. O fato de ter quase três horas de duração também contribui muito para deixar o espectador um tanto incomodado. Mas é tão bom quando topamos com esse tipo de incômodo, que só temos a agradecer.

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