terça-feira, dezembro 06, 2016
AMOR MALDITO
Em uma edição do For Rainbow em que houve muitos filmes com conteúdo de relacionamentos homossexuais masculinos, mas bem poucos de relacionamentos femininos ou de transexuais, mais uma vez a Mostra Lilás traz um clássico do cinema brasileiro em película. No ano passado foi a vez de VERA, de Sergio Toledo; neste ano tivemos um filme um pouco mais underground, AMOR MALDITO (1984), de Adélia Sampaio, a primeira cineasta negra brasileira.
O filme começa com o suicídio de Suely Oliveira (Wilma Dias), uma ex-miss que manteve uma relação com a executiva Fernanda Maia, vivida por Monique Lafond. AMOR MALDITO, além de funcionar como uma narrativa sobre a investigação de um amor homossexual em um momento em que isso ainda era pouco explorado no cinema brasileiro, a obra cresce bastante quando se se transforma em filme de tribunal, quando a história dessas duas mulheres é costurada pelos depoimentos de diversas testemunhas.
De maneira inteligente, o roteiro de Adélia Sampaio e do escritor José Louzeiro mostra muitas vezes as incongruências entre o que é dito no tribunal e o que de fato aconteceu, aquilo que é mostrado através de flashbacks, que em alguns momentos funcionam como uma espécie de alívio cômico em um filme que tem a intenção de mostrar uma sociedade extremamente preconceituosa disposta a colocar uma mulher na cadeia por causa de sua preferência sexual, numa alegoria à caça às bruxas.
Como vivemos atualmente em um país (um mundo, na verdade) de ascensão da direita, em que cada vez mais surgem notícias ou situações escabrosas e inimagináveis, AMOR MALDITO acaba ficando, infelizmente, pouco datado no que se refere ao modo como mostra a inquisição sofrida por Fernanda durante o tribunal, refletindo em nosso presente, por mais que tenhamos passado por muitos avanços nos direitos das relações homoafetivas.
Há um exagero (proposital) na construção, especialmente dos personagens evangélicos, mas isso acaba depondo mais a favor do que contra o filme. A exibição no For Rainbow contou com a presença da diretora Adélia Sampaio, que informou que, apesar de finalizar o filme com os dizeres de que se trata de uma obra de ficção e que qualquer semelhança é mera coincidência, essa informação foi colocada por pressão das igrejas protestantes, e que se trata sim de uma história baseada em um fato ocorrido no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Texto originalmente publicado no site da Aceccine.
Nenhum comentário:
Postar um comentário