terça-feira, novembro 01, 2016

O INTENDENTE SANCHO (Sanshô Dayû)























Minha relação com o cinema japonês é um tanto tortuosa. Vendo tantos elogios, por exemplo, ao mais famoso dos cineastas nipônicos, Akira Kurosawa, eu raramente conseguia gostar de algum filme dele. Fui começar a ter um sentimento mais próximo pela cultura japonês através dos animes, sejam as séries, sejam os filmes de Hayao Miyazaki. Mas, eis que de uns anos pra cá, eu finalmente me permiti conhecer o trabalho de Yasujiro Ozu e de Kenji Mizoguchi. E fiquei encantado com ambos, cineastas de estilos distintos e mais longe da ocidentalização a que se costuma atribuir os filmes de Kurosawa. Mas falemos de Mizoguchi, e mais especificamente de O INTENDENTE SANCHO (1954), considerado por muitos como sua obra-prima máxima.

E talvez por isso, por essa expectativa gigante, já criada depois de ver obras tão impactantes quanto CONTOS DA LUA VAGA (1953) e SENHORITA OYU (1951), que eu fui com muita sede ao pote para ver O INTENDENTE SANCHO. Isso é muito perigoso, embora às vezes possa acontecer de certos filmes superarem nossas maiores expectativas. Mas isso é raro. O fato é que, por um motivo ou outro, O INTENDENTE SANCHO ficou uns degraus abaixo em minha lista de preferências dos filmes de Mizoguchi.

Mas isso não importa. O que é importa é que é um grande filme, de grande força visual, e que trabalha novamente com o registro do melodrama, transformado em pesadelo muitas vezes nos trabalhos do cineasta. No território do "quanto mais desgraça melhor", Mizoguchi é mestre. Na trama de O INTENDENTE SANCHO, temos uma família que é separada violentamente por regras da sociedade ou pela maldade humana. Ou mesmo pela bondade, já que o patriarca da família é afastado do cargo e de sua própria família por ser generoso demais.

Anos mais tarde, sua esposa e seus dois filhos pequenos estão em uma floresta, com o intuito de encontrar o pai, que já se tornou uma espécie de lenda. No meio do caminho, porém, uma senhora lhes oferece abrigo. Mal sabem eles que esse abrigo é uma cilada mortal: a mãe será vendida como prostituta; os filhos se tornarão escravos do intendente Sancho do título, um homem tão malvado que costuma marcar com ferro as pessoas que têm a audácia de fugir de seu território. Assim, durante a maior parte da metragem, O INTENDENTE SANCHO segue o destino desses dois irmãos, que crescem e vão ficando mais resistentes à maldade e ao trabalho escravo. A ideia é tentarem fugir para encontrar a mãe apenas quando estiverem maiores e mais preparados.

Enquanto isso, ainda que de maneira um pouco rápida, somos convidados a dar uma olhada no que está acontecendo com a mãe dos meninos. E é de cortar o coração o que acontece com ela. Mas dói mais ainda é quando a personagem com quem mais nos apegamos na história acaba saindo de cena de forma muito triste, a jovem Anju. Com isso, o filme perde um pouco de seu grau de interesse, nos deixando um pouco sem chão, e passa a ser centrado no irmão Zuchiô, que passará por situações bem intensas também.

O INTENDENTE SANCHO é mais um daqueles filmes que o cineasta tão bem sabe fazer sobre situações em que o destino é extremamente cruel. É como se a vida fosse impiedosa para os bons e pouco interessada em culpar os maus. Não deixa de passar um sentimento de desamparo, injustiça e pessimismo. Cada cena é mais um momento de opressão que nos abate. Ao mesmo tempo, poder ver uma história contada com tanto esmero e em um momento já de amadurecimento de um mestre do cinema não tem preço.

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