sexta-feira, julho 15, 2016
LÚCIO FLÁVIO – O PASSAGEIRO DA AGONIA
Tempos tenebrosos estes, meus amigos. A vida particular não anda lá essas coisas, mas quando eu vejo o que tem acontecido na vida de amigos e familiares e também com essa tragédia toda que tem acontecido lá fora, eu percebo que eu tenho que me contentar, pelo menos por enquanto, com o que tenho e buscar paz dentro do caos, para alimentar um futuro melhor e mais saudável e bonito. Por isso a tarefa de parar para escrever um texto sobre um filme que assisti também sob circunstâncias não lá muito boas não é também muito fácil. Mas faço questão de deixar registrado aqui.
Mais um cineasta se foi neste mês de julho: Hector Babenco, o argentino que escolheu o Brasil para ser o seu lar e que nos representou muito bem aqui e lá fora. Graças a PIXOTE – A LEI DO MAIS FRACO (1981) ele alcançou repercussão mundial, chegando a fazer, logo em seguida, três produções hollywoodianas, a começar por O BEIJO DA MULHER ARANHA (1985), mas sem abandonar o interesse por imagens sujas e por pessoas marginalizadas.
Isso já fica bastante notável em LÚCIO FLÁVIO – O PASSAGEIRO DA AGONIA (1977), um dos grandes filmes policiais e de crime já realizados no Brasil, baseado na história real do lendário assaltante de bancos. É o tipo de obra rara em nossa produção dentro do gênero, pela qualidade impressa na direção e nas interpretações. Há também um cuidado com a direção de arte. Por mais que possa parecer tudo muito cru, as cores e o modo como o cineasta dispõe seus personagens no quadro faz às vezes o filme parecer uma pintura.
O filme é também bastante louvável por retratar uma polícia corrupta, que negocia o lucro dos bandidos que assaltam bancos. É o caso da gangue que opera em conjunto com o bando de Lúcio Flávio, aqui em interpretação inspirada de Reginaldo Faria. Desde a primeira cena, em que ele e um colega do bando matam dois traidores do grupo, já vemos que ele não está pra brincadeira. A crueza da cena já dá o tom do que viria.
O elenco de apoio é outro ponto bem positivo do filme. Seja a namorada de Lúcio, vivida por Ana Maria Magalhães, o policial corrupto "132" (Milton Gonçalves), um dos chefões da máfia (Paulo César Peréio, roubador de cenas profissional), um dos líderes das sessões de tortura (Ivan Cândido, premiado em Gramado pelo papel) e Grande Otelo, como um preto velho amigo de Lúcio.
E falando em sessões de tortura, essa é outra ferida que Babenco teve coragem de mostrar como prática da polícia, ainda que aqui não se esteja falando de crimes políticos, mas de criminosos assumidamente bandidos. Aliás, como não se espantar, no bom sentido, com a fala de Lúcio Flávio para a câmera, falando da pouca diferença entre ele e os hipócritas que se dizem agentes da lei? É um momento de quebra da quarta parede, um recado muito bem dado naquele momento triste e delicado por que passava o nosso país.
E Babenco sai de cena deixando um legado de filmes respeitáveis. Poucos, já que enfrentou uma série de dificuldades para se filmar aqui e no exterior, além de um câncer linfático que quase o levou na década de 1990, e que pode ser acompanhado em seu filme-testamento, MEU AMIGO HINDU (2015).
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