sábado, julho 09, 2016

JULIETA



A carreira de Pedro Almodóvar é tão rica que, depois de sair maravilhado da sessão de um de seus filmes, dizer com convicção que acabou de ver um de seus melhores trabalhos é algo um tanto difícil. Mas pode-se dizer, com alegria, que é o caso de JULIETA (2016), que é tão belo em sua estrutura quanto na maneira delicada como explora a dor de sua personagem-título, apresentada aqui em duas fases, a fase madura (Emma Suárez) e a fase jovem (Adriana Ugarte).

A estrutura narrativa lembra a de filmes hollywoodianos da década de 1950, sejam os melodramas de Douglas Sirk ou os suspenses de Alfred Hitchcock. A acertada trilha sonora de Alberto Iglesias acentua isso, dando um ar de thriller em alguns momentos, ainda que o filme não apresente assassinatos ou coisas do tipo. Não há crimes, mas não quer dizer que não haja mortes, e que essas mortes não surjam para causar não apenas luto, mas um sentimento forte de culpa, uma das forças motrizes do filme.

JULIETA começa com a protagonista, em idade madura, se preparando para acompanhar o namorado em uma viagem possivelmente sem volta para Portugal. Ela acaba mudando de ideia quando encontra uma amiga de sua filha. Esse encontro mexe tanto com Julieta que ela se sente forçada a escrever uma carta para a filha, contando tudo aquilo que tinha ficado guardado em seu peito. E esse desabafo angustiado acaba funcionando como uma maneira de contar, de maneira bem clássica, a história de sua juventude desde o momento em que ela conheceu o pai de sua filha.

Desta forma, a memória vai invadindo o presente, e somos convidados a acompanhar essa história, contada por um autor de primeira grandeza do cinema contemporâneo. Cada detalhe, cada momento do filme é rico em significado, desde a cena em que Julieta, então uma jovem professora substituta de Literatura, fala para seus alunos sobre o mar e a trajetória rumo ao desconhecido de Ulisses, passando pelas impressionantes sequências dentro do trem – o homem estranho, o cervo, o encontro com o namorado, a morte e o sexo –, tudo isso já causa um prazer imenso no espectador que aprecia uma boa história. E só estamos no começo.

O real motivo pelo qual o título anterior do filme era "Silêncio", por exemplo, só será entendido a partir, pelo menos, dos eventos mostrados na segunda metade da narrativa, que envolverá morte, luto, depressão e a ausência de uma pessoa querida. E não é preciso ser mãe para entender a dor da protagonista. Almodóvar passa sua dor sem a necessidade de lágrimas. As lágrimas seriam até um alento para a personagem e isso não lhe é concedido. Almodóvar não queria lágrimas, ele queria uma imagem forte de seu abatimento, o acumulado de anos e anos de dor. Quem, por exemplo, já passou, ou está passando, pela necessidade de ter que esquecer alguém que amou muito pode entender um pouco do que a personagem sente.

E Almodóvar nos entrega este presente numa embalagem muito bonita, de cor vermelha, como sempre, mas desta vez sem as tradicionais perversões presentes em outras de suas obras. Há quem vá dizer que é um exemplar mais contido de sua carreira. E é mesmo. Mas essa contenção é também necessária para que o choro fique entalado na garganta durante toda a duração de mais esta obra especial.

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