domingo, junho 19, 2016

EPITAFIO



Segundo longa-metragem exibido na edição 2016 do Cine Ceará, EPITAFIO (2015), dos realizadores Yulene Olaizola e Rubén Imaz, carrega em si um sentimento forte de grandiosidade épica, embora se perceba ser um trabalho de baixo orçamento e que se propõe minimalista em sua narrativa, que mostra basicamente homens subindo uma montanha.

O filme acompanha a jornada de três conquistadores espanhóis do século XVI subindo a segunda maior montanha do México, a fim de provarem sua superioridade frente ao povo dominado. Na verdade, segundo as palavras do capitão Diego de Ordaz (Xabier Coronado), ele não quer voltar e fazer com que os homens que não tiveram a coragem de subir aquela montanha deixem de acreditar que eles são deuses.

EPITAFIO não é um filme fácil, apesar da duração curta (82 minutos). Trata-se de uma obra que adota um ritmo lento e nem sempre feliz na construção de uma atmosfera intrigante, o que dificulta um pouco para o espectador embarcar na viagem. Em compensação, as imagens são de uma beleza extraordinária, feitas por uma equipe que subiu justamente não a segunda, mas a primeira maior montanha do México, porém, uma que não possui um vulcão tão perigoso em seu cume. Essa informação ajuda a valorizar ainda mais os esforços de toda a equipe técnica e também dos atores. Além do mais, toda aquela beleza mostrada na tela foi filmada com luz natural.

A luta do homem diante da natureza selvagem, com o ar rarefeito, o frio intenso e o poder próximo do espiritual de uma montanha considerada sagrada e habitada por inumanos, pôde ser vista recentemente em um filme de apelo mais comercial, EVERESTE (2015), de Baltasar Kormákur, para lembrar de uma geografia parecida e situações-limite semelhantes. No cinema recente, também podemos lembrar do colombiano O ABRAÇO DA SERPENTE (2015), de Ciro Guerra, mas este se passa na Selva Amazônica.

Mas o filme que tem sido mais alvo de comparações com Epitáfio é AGUIRRE, A CÓLERA DOS DEUSES (1972), de Werner Herzog, por razões óbvias, já que é um trabalho que também trata de uma busca insana: no caso, a jornada de Don Lope de Aguirre liderando uma expedição espanhola em busca da lendária cidade de El Dorado. Há, também, outro filme bem menos conhecido que dialoga bastante com Epitáfio, a produção espanhola HONRA DOS CAVALEIROS (2006), de Albert Serra, um retrato econômico e também minimalista do clássico romance Dom Quixote de La Mancha.

É possível comparar a obsessão de Diego de Ordaz à loucura de Dom Quixote e o quanto ele faz sofrer seu companheiro de viagem Gonzalo (seu Sancho Pança) na jornada. Ordaz, inclusive, possui componentes até bem complexos, como seu fanatismo religioso, como podemos conferir perto do final do filme, misturado à sua crença em ser alguém superior àqueles a quem eles mataram e esquartejaram, a fim de provar poder e dominação. Tudo isso sendo devidamente abonado por Deus e a Santa Igreja Católica.

O filme acaba causando certa dubiedade entre mostrar esse aspecto doentio do protagonista, a forma desumana com que ele trata seus companheiros que não têm força para seguir adiante, e a sua perseverança ao enfrentar com coragem a jornada, com tão poucos recursos. A natureza é mostrada como algo aterrador, e isso é auxiliado por uma mixagem de som admirável, que une o uivo dos ventos à música em tom épico de Alejandro Otaola e Pascual Reyes.

Para completar, os letreiros finais, ao mostrar a importância de Ordaz para a continuação da dominação espanhola em território latino-americano, acabam o elevando a uma espécie de lenda deste processo de transição violenta de destruição de uma cultura para a entrada de outra, como ocorreu em toda a América, tanto pelos espanhóis, como pelos ingleses, portugueses e franceses.

Texto publicado originalmente no site da Aceccine – Associação Cearense dos Críticos de Cinema

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