quarta-feira, junho 29, 2016
AS MONTANHAS SE SEPARAM (Shan He Gu Ren / Mountains May Depart)
Ter visto o documentário de Walter Salles, JIA ZHANG-KE, UM HOMEM DE FENYANG (2014), ajuda bastante ao espectador que não tem muita intimidade com a obra do cineasta chinês a perceber que em meio a tantos aspectos próprios da cultura que são mais fáceis de serem entendidos por quem acompanha as transformações do país há também muita coisa que tem uma natureza universal, especialmente quando o cineasta lida com os sentimentos.
AS MONTANHAS SE SEPARAM (2015), ainda que conte uma única história, tem uma estrutura em segmentos que muito lembra a opção em contar três histórias do longa-metragem anterior de Zhangke, UM TOQUE DE PECADO (2013). Em AS MONTANHAS SE SEPARAM, esses segmentos são as histórias contadas em tons parecidos, mas em circunstâncias e tempos diferentes. O cineasta até usa uma janela de aspecto diferente para cada ano: 1,37:1 para 1999; 1,85:1 para 2014; e 2,35:1 para 2025.
Ao contrário de outras obras do diretor, que parecem ser um pouco mais difíceis, e talvez um pouco sofisticadas demais, arthouse demais, talvez, como O MUNDO (2004) e EM BUSCA DA VIDA (2006), AS MONTANHAS SE SEPARAM se apresenta como um melodrama sem medo de exagerar no sentimentalismo. Ao contrário, isso beneficia bastante o filme, desde o primeiro momento, quando vemos os jovens personagens dançando ao som de “Go West”, música do Village People em bela cover dos Pet Shop Boys. A música da dupla britânica, aliás, costuma passar um sentimento de melancolia que tenta se esconder através de uma suposta alegria da batida eletrônica e de um vocal supostamente frio.
Ao mesmo tempo, só o título da canção ("Go West") já remete a uma ocidentalização da China, algo que já é bastante criticado e visto com certo pesar por parte do Zhangke em outras de suas obras. Se por um lado os chineses passaram por maus bocados nos tempos da Revolução Cultural, ainda que possam se ver aspectos positivos desse momento, a entrada do capitalismo no país chegou com força para enriquecer os empresários, mas principalmente para deixar os trabalhadores em situação econômica precária.
Em AS MONTANHAS SE SEPARAM, vemos essa dualidade presente em dois personagens rivais: Liangzi (Jing Dong Liang), que trabalha em uma mina, e Jinsheng (Yi Zhang), o rico proprietário da mina. Os dois são loucamente apaixonados por Tao (Tao Zhao, esposa e colaboradora frequente do cineasta). Ela se sente dividida, pois gosta muito dos dois, mas chega um momento que ela precisa escolher.
É mais fácil gostarmos mais de Liangzi, com sua simplicidade, do que com o jeito arrogante de Jinsheng, mas é também previsível saber quem ela escolherá para ser seu marido e pai de seu filho. Essa situação é mostrada no ano de 1999 e afetará o rumo dos acontecimentos destes personagens e do futuro filho de Tao, algo que será visto a partir do segmento de 2014.
Uma das coisas mais bonitas de AS MONTANHAS SE SEPARAM é o modo como o diretor apresenta a paixão desses dois homens por essa mulher, a ponto de um deles ter que abandonar a cidade para poder esquecer aquela que foi a mulher de sua vida. Neste segmento de 2014 também vemos uma cena linda envolvendo a morte do pai de Tao. O modo como ela chora em prantos durante o funeral do patriarca é mostrado com muita intensidade e emoção. Mesmo para quem vê tudo com distanciamento e estranheza diante de uma cultura diferente, difícil não ficar comovido. Além do mais, cada vez mais, com a ocidentalização/globalização, os chineses passam a ficar mais parecidos com os ocidentais.
E esse processo é levado ao extremo no terceiro segmento, passado no futuro, e centrado na vida do filho de Tao, vivendo agora na Austrália e falando apenas inglês. Tudo de chinês que ele sabia ele esqueceu, assim como também parece querer esquecer suas origens, mesmo estando em uma escola que ensina a falar sua língua natal. É o segmento que mais se distancia da história dos outros dois, mas ao mesmo tempo se conecta, principalmente quando chega ao tocante final. É o tipo de filme que faz com que queiramos reavaliar e/ou conhecer mais e mais a obra de Jia Zhanke, esse homem tão sensível quanto aos sentimentos de seus personagens e aos rumos sombrios e complexos de seu país em constante mutação.
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