quarta-feira, março 23, 2016

PROMETO UM DIA DEIXAR ESSA CIDADE



Uma das desvantagens de ver muitos filmes num curto espaço de tempo (como aconteceu nos dias da Mostra Expectativa/Retrospectiva, no mês de janeiro) é deixar para escrever sobre esses filmes muito tempo depois, sem ter feito anotações prévias. É claro que uma overdose dessas é uma delícia para cinéfilos, mas para quem quer escrever sobre os filmes como uma extensão da apreciação fílmica, como é o meu caso, muitas vezes se vê à mercê do pouco de memória que lhe resta. Afinal, com tantos filmes vistos, muita coisa se perde na cabeça, e escrever sobre esses filmes acaba sendo um exercício mental.

Falemos então de PROMETO UM DIA DEIXAR ESSA CIDADE (2014), segundo longa-metragem de Daniel Aragão, que permanece inédito no circuito comercial. Trata-se de um belo trabalho, que muitas vezes me remeteu a Walter Hugo Khouri, o que só por isso já é motivo mais que suficiente para me encantar. Nem sei se foi intenção de Aragão ter esse tipo de diálogo com a obra khouriana, mas há uma intenção em lidar com um mundo urbano de pessoas ricas próprio da obra do cineasta paulista, bem como trabalhar também com aspectos psicológicos de sua protagonista, aqui vivida pela excelente Bianca Joy Porte.

O cineasta pernambucano já havia feito um trabalho bastante cuidadoso e bonito em BOA SORTE, MEU AMOR (2012), também enfatizando uma personagem feminina em estado de rebeldia com o universo ao seu redor. No caso do novo trabalho, ser rebelde é um motivo ainda mais aceitável, já que Joli (Bianca) foi internada em uma clínica psiquiátrica contra sua vontade. Uma vez que aceita fazer um tratamento fora do lugar, ela retorna para a casa de seu pai, vivido pelo excelente Zécarlos Machado, de EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS, de Beto Brant e Renato Ciasca.

Machado encarna o homem corrupto e mentiroso que tenta manipular a filha, que aos poucos vai lembrando da provável culpa do pai na morte de sua mãe. Nesse sentido, PROMETO UM DIA DEIXAR ESSA CIDADE é um suspense psicológico muito interessante, que tem uma estrutura fragmentada, formada a partir do ponto de vista perturbado e cheio de variações de humor de Joli. Engraçado quando o pai tenta colocá-la como cabeça de uma associação de combate contra o crack e ela mostra total descrédito e repulsa pelas políticas (e atitudes hipócritas) do pai em frente a uma câmera de televisão.

PROMETO UM DIA DEIXAR ESSA CIDADE é o tipo de filme que nos deixa torcendo para que seja ótimo do início ao fim. E se em algum momento ele parece ser irregular em sua condução narrativa, não tem problema. Pode ser amado mesmo assim, embora seja pouco provável que os espectadores não percebam sua excelência nos aspectos técnicos, como o som caprichado e a bela fotografia em cores saturadas.

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