quarta-feira, março 16, 2016
DO QUE VEM ANTES (Mula Sa Kung Ano Ang Noon)
31 de janeiro de 2016 foi um dia histórico para este cinéfilo aqui. No final do ano passado já havia experienciado a força e a duração de uma obra de Lav Diaz, com o maravilhoso NORTE, O FIM DA HISTÓRIA (2013) e suas gloriosas 4h10min de duração. Ver NORTE acabou sendo um ensaio para o que viria em seguida, quando o pessoal da organização da Mostra Cinema em Transe exibiu DO QUE VEM ANTES (2014), o trabalho seguinte do genial cineasta filipino, que conta com 5h30min de duração.
Podemos até deixar de lado essa questão da duração dos trabalhos do diretor, mas sabemos o quanto isso vem sempre à tona, até pela dificuldade de encaixar o filme em uma grade. Afinal, um filme como DO QUE VEM ANTES ocupa o espaço de três de duração normal. Exibir os filmes de Diaz é, portanto, um exemplo de coragem por parte de seus exibidores, e por isso eles acabem restritos a poucas praças do país. O que é uma pena, pois isso faz com que muitos interessados deixem de ter a experiência extraordinária de ver esses trabalhos na tela grande.
E, diferente do maior diálogo com o cinema ocidental que NORTE, O FIM DA HISTÓRIA apresenta, DO QUE VEM ANTES é mais desafiador, já que está bastante conectado com a história política das Filipinas. Inclusive, o filme se passa no início da década de 1970, quando o ditador Ferdinand Marcos estava no poder – seu governo durou de 1965 a 1986. E o que o filme mostra é o país vivendo esse momento de terror, através do que acontece com os moradores de um pequeno vilarejo litorâneo.
É lá que uma mulher deixa com frequência oferendas a uma deusa do mar, acreditando que ela pode lhe ajudar com a filha com deficiência mental. Como país pobre que é, as oferendas são roubadas por outros dois personagens. Além do mais, o padre não gosta nada desse tipo de crença alternativa, muito menos do que é mostrado no início do filme, uma espécie de ritual pagão (levando em consideração não ser de origem cristã).
Como Diaz opta pelos tempos longos, a história vai sendo construída aos poucos, mas há sim uma narrativa relativamente clássica por trás desse formato com mais respiros, embora a palavra "respiro" passe longe de ser usada para descrever qualquer momento que supostamente possa ser encarado como alívio para o espectador, já que tudo é muito sofrido na vida dos personagens.
Há uma cena excepcionalmente impactante, que é o choro dolorido de uma mãe diante da morte de uma criança. Lembro que, durante a sessão, havia pessoas que se sensibilizaram tanto com a cena que choraram bastante também. Diaz passa muita verdade nesta cena. E há o caso também do homem que é acusado de matar as vacas do patrão, e por isso acaba por perder o seu emprego.
Depois de mais de três horas de duração, entra em cena o exército e vemos a imposição da Lei Marcial e tornando aquele ambiente ainda mais hostil, até chegar o ponto em que vai se tornando uma cidade fantasma. E esse é um aspecto fantástico de uma história que, até por ter uma fotografia em preto e branco, parece imprimir sempre a impressão de que estamos vendo algo mais próximo de um registro documental, ainda que vez ou outra o filme entre num território do melodrama.
Nesse filme sobre crenças, mentiras, maldade, mistério, abuso sexual e crueldade, o mais celebrado cineasta filipino da atualidade mostra o quanto seus trabalhos possuem uma força descomunal, a ponto de não querermos nos distanciar desse universo. O circuito seria bem mais abençoado se nos oferecessem mais oportunidades como essa para que o público, ainda que muito restrito e corajoso, pudesse entrar em contato com um trabalho tão especial como esse, que ganha ainda mais força na tela grande do cinema.
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