sexta-feira, março 04, 2016
A BRUXA (The Witch: A New-England Folktale)
O que tem gerado tanta louvação em torno de A BRUXA (2015), longa-metragem de estreia de Robert Eggers, é justamente o fato de ser um filme de horror que, além de ter uma condução intrigante e muitas vezes aterrorizante, não se propõe à vulgarização dos sustos que costuma ocorrer na grande maioria dos filmes do gênero, principalmente os que conseguem chegar ao nosso circuito, já que muita coisa boa acaba ficando invisível e é necessário procurar por outros meios.
O filme se passa na Nova Inglaterra, nos anos 1630, algumas décadas antes do episódio terrível de Salem, que condenou 14 mulheres à morte por bruxaria, por causa de uma histeria coletiva gerada pela ignorância e o medo do desconhecido. E nesse sentido, A BRUXA também segue na contramão da maioria dos filmes do gênero, que são mais cristãos. Nesse sentido, o filme estaria mais próximo da tradição de O HOMEM DE PALHA, de Robin Hardy, do que de O EXORCISTA, de William Friedkin.
No filme de Eggers, nota-se uma saudável crítica a essa ideia de que nascemos com pecado e mostra o quanto isso mexe com a cabeça das pessoas, deixando-as à mercê de um sentimento de culpa que dilacera-lhes a alma. E por isso o filme pode ser taxado de satanista, pelo viés mais libertador que talvez pregue, ainda que de maneira relativamente sutil. Ao mesmo tempo, é possível ver o filme também como uma armadilha do diabo para destruir uma família, aproveitando-se da dúvida e da fragilidade humana em geral.
Na trama, essa família de ingleses puritanos que se muda para um lugar bonito e verde em frente a uma floresta por causa de uma divergência de ordem dogmática do grupo em que se congrega passa a ser alvo dos ataques de uma força estranha vinda dessa floresta. A tragédia começa a partir do desaparecimento do bebê, enquanto a filha mais velha da família, Thomasin (a bela Anya Taylor-Joy, excelente), brincava com a criança.
E o filme não esconde muito o fato de que existe uma bruxa, de que a criança foi mesmo sequestrada por ela. Mas o pouco que é mostrado dessa misteriosa mulher é suficiente para causar um clima macabro inicial impressionante, e que só cresce à medida que a história avança e o ataque à família aumenta.
Há uma tradição do cinema de horror em usar crianças em cenas particularmente perturbadoras. E A BRUXA não foge à regra. As duas crianças gêmeas que cantam e pulam alegremente, mesmo diante de uma tragédia familiar, costumam brincar com um bode preto. O bode, esse animal que costuma ser associado à figura do diabo em muitos filmes e livros. E sabemos que isso não é invenção do cinema ou mesmo da literatura.
O que é admirável nesse trabalho de Eggers é o quanto ele investe no macabro dessas associações satânicas para construir uma história sobre bruxaria e possessão, cheio de mistério e momentos sinistros, juntando-se a isso a paranoia que nasce a partir da ideia de que a jovem Thomasin teria feito um pacto demoníaco.
Além do excelente trabalho de condução dessa atmosfera, A BRUXA ainda tem o mérito de ser transgressor, já que a nossa simpatia inicial a essa família vai sendo diminuída à medida que somos apresentados ao modo como o patriarca e a esposa trazem esse pesado fardo aos jovens. Mas é sempre bom dizer que, embora a história seja muito boa, a direção (premiada em Sundance) e o modo como a trama é contada – lenta, mas com planos curtos e minimalistas – é que fazem a diferença nessa obra cuja beleza está tão associada ao tétrico.
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